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Ser Feliz – O Quebrantamento do Coração
“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”, assegura Jesus em Mateus 5.4. Não parece paradoxal? Como pode alguém ser feliz, bem-aventurado, afortunado, ditoso, enquanto derrama lágrimas abundantes e incontidas? Observemos também que a palavra grega que significa chorar é a mais pungente que existe no idioma de Platão para designar sofrimento ou dor, sendo usada para expressar o sentimento de quem perdeu um ente muito querido, como quando Jacó, em Gênesis 37.34, acreditando que José havia morrido, enlutado pranteou o filho por muitos dias.
Esta bem-aventurança, em seu amplo significado, pode ser interpretada primeiramente como felizes aqueles que suportaram a tristeza mais profunda que a vida pode oferecer, referindo-se à experiência de quem, após grande sofrimento, pôde descobrir com profunda alegria e gratidão a bondade inesperada dos semelhantes, e/ou a extraordinária dimensão do consolo e da misericórdia divinos, e assim sentir-se afortunado.
Também é possível descortinar nesta bem-aventurança um segundo sentido: felizes aqueles que se entristecem profundamente com toda a dor e sofrimento que existe no mundo, e isto nos leva a considerar como este planeta seria um lugar pior para se viver se não existissem pessoas abnegadas que, condoídas com a miséria e o sofrimento de outros, dedicam-se de corpo e alma a mitigar as carências alheias, conscientes de que não há cristianismo sem preocupação com o semelhante, e com isto granjeando para si mesmas grandes doses de felicidade.
Mas o conceito central desta bem-aventurança é certamente o ensino do Mestre de que felizes são aqueles que sentem-se extremamente aflitos, tristes e envergonhados por causa de seus próprios pecados, transgressões e indignidades, e que só podem sentir-se assim as pessoas que estão arrependidas de seus erros e têm consciência dos males que provocaram para si e para outrem. Por isso Jesus nos exorta em várias de Suas mensagens, como em Marcos 1.15, encorajando: “Arrependei-vos”.
Talvez nós não tenhamos ainda avaliado devidamente a gravidade de nossos pecados, da mesma forma como ainda não temos ideia precisa da majestade do Deus contra quem nos rebelamos deliberadamente. Jesus morreu na cruz e foi então que o próprio Deus em Cristo recebeu a penalidade que era nossa. Por isso é no sofrimento de Jesus na cruz que podemos perceber a dimensão das consequências das nossas transgressões, e nos entristecermos profundamente, e então choramos por nós próprios, pelo horror do pecado que cometemos.
O cristianismo inicia-se com a consciência do pecado, desta forma o homem feliz é o que nasce de novo e sente intensa dor e vergonha por seus pecados, pelo que ele mesmo provocou em sua vida e nas de outras pessoas, pelo que atentou contra Deus e contra Jesus. Então pode ter a certeza de ser consolado, porque Deus não rejeitará um coração humilde e arrependido, pois a alegria do perdão só pode ser alcançada passando pela tristeza aterradora do arrependimento. Por isso, muito feliz é aquele cujo coração padece com o sofrimento do mundo e com seu próprio pecado, porque é por meio deste padecimento que encontrará a alegria e a paz de Deus.
As lágrimas nos ensinam muito mais que o riso, assim sendo, alcançar a verdadeira felicidade é impossível sem elas, e Jesus nunca prometeu felicidade transitória, prazer mundano ou prosperidade terrena, mas sim a felicidade na sua forma mais profunda, completa e permanente, aquela que existe somente acima das circunstâncias exteriores e que – centrada naqueles que O seguem a qualquer custo – produz em seus corações uma inundação de esperança, gozo e paz.
“… No mundo, passais por aflições; mas tende bom ânimo; eu venci o mundo”, alertou-nos o Senhor em João 16.33, para as inevitáveis aflições que nos advertiu teríamos no mundo, mas até mesmo elas podem ter efeitos construtivos em nossa vida, se as enfrentarmos com sabedoria, confiados e firmados em Deus. Dificilmente crescemos espiritualmente nos períodos da existência em que navegamos por mares tranquilos, quando tudo está bem, porém quando encaramos águas turbulentas e nossa força, habilidade e fé são postas à prova, constatamos que passada a tormenta estamos mais maduros, experientes, fortes e preparados para os novos enfrentamentos que por certo virão ao longo de nossa jornada terreal. E esta, precisamente, é a razão pela qual Deus permite que tenhamos tribulações, para que se transformem em grandes bênçãos, ao criarem espaço para que seja ministrado o maravilhoso consolo divino.
As Escrituras Sagradas sempre anteviram o advento de Jesus Cristo como aquele que viria para revelar Deus aos homens, destruir as obras do diabo, ser um sumo sacerdote misericordioso, cumprir a aliança davídica, ser exaltado, prover um exemplo de vida e ser um sacrifício pelo pecado. Por isso, podemos encontrar em suas páginas vários exemplos relacionados com esta bem-aventurança:
Antecedendo em mais de 700 anos as palavras de Jesus, Isaías 61.1-2 já descrevia o ministério do Messias em Sua primeira vinda, dizendo: “O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram”.
Mais à frente, no Salmo sapiencial 119, dedicado à lei do Senhor, o autor transmite a ideia de que tudo o que o homem necessita conhecer está nela registrado, e nos versos 67,71,72 (NTLH), mostra a relação consequente entre o sofrimento vivenciado e o ganho auferido, expressando profunda gratidão até mesmo na dor: “Antes de me castigares, eu andava errado, mas agora obedeço à tua palavra. Foi bom que eu tivesse sido castigado, pois assim aprendi os teus mandamentos. A tua lei vale muito mais para mim do que toda a riqueza do mundo.”
Em Eclesiastes 7.2-5 (NTLH) Salomão, através de uma série de ditos de natureza proverbial, oferece sábios conselhos apontando a fugacidade da vida humana e a necessidade de nos atermos às atitudes que trazem conhecimento e sabedoria, embora nem sempre sejam as mais agradáveis : “É melhor ir a uma casa onde há luto do que ir a uma casa onde há festa, pois onde há luto lembramos que um dia também vamos morrer. E os vivos nunca devem esquecer isso. A tristeza é melhor do que o riso; pois a tristeza faz o rosto ficar abatido, mas torna o coração compreensivo. Quem só pensa em se divertir é tolo; quem é sábio pensa também na morte. É melhor ouvir a repreensão de um sábio do que escutar elogios de um tolo.”
Como deixou registrado Paulo em 2 Coríntios 7.10, o choro construtivo é aquele provém dos que se horrorizam com a constatação de seus próprios pecados e dos de seus coetâneos, assim ponderando sabiamente: “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte”.
O apóstolo Tiago, no capítulo 4 de sua carta repreende o mundanismo dos crentes em toda a parte, e nos versos 9-10 exorta-os ao arrependimento como pré-requisito essencial, indispensável, para a felicidade, exortando: “Afligi-vos, lamentai e chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria, em tristeza. Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará”.
Por isso tudo, fica-nos a certeza de que o Senhor nos diz que é crucial que renunciemos ao nosso orgulho pertinaz, à nossa arrogância deletéria, ao nosso amor próprio descabido e à nossa autossuficiência desprovida de sentido, e contritos derramemos lágrimas de vergonha e dor por nossos tantos pecados, buscando o inenarrável conforto mitigador de Deus que nos perdoa e que no Estado Eterno, tal como lemos em Apocalipse 21.4, nos “… enxugará dos olhos toda lágrima…”.
A seguir, o próximo estudo: Ser Feliz – A Vida Governada por Deus
21 de dezembro de 2024
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