Flávio Justino nasceu de pais pagãos no primeiro decênio do século II de nossa era em Flávia Neápolis, a antiga Siquém, atual Nablus, na Palestina.
Quando jovem filósofo, Justino estudou os ensinamentos dos estoicos, de Aristóteles e de Pitágoras, e mais tarde foi adepto do platonismo, que prometia uma visão de Deus aos que sondassem a verdade com profundidade suficiente, e esta era a sua busca.
Certo dia encontrou-se com um cristão já idoso, e ficou perplexo diante de sua dignidade e humildade. O homem citou várias profecias judaicas, mostrando que o caminho cristão era realmente verdadeiro, e que Jesus era a verdadeira expressão de Deus.
Esse encontro provocou grande transformação na vida de Justino, que debruçado sobre os escritos proféticos e lendo os evangelhos e as cartas de Paulo, tornou-se um cristão dedicado. Foi assim que nos últimos trinta anos de sua vida, viajou, evangelizou e escreveu, tendo desempenhado um papel muito importante no desenvolvimento da teologia da igreja, na compreensão que a igreja tinha de si mesma e na imagem que apresentava ao mundo.
A igreja cristã – praticamente desde o seu início – atuou em dois mundos: o judeu e o gentio, e o livro de Atos registra o lento e doloroso desabrochar do cristianismo no mundo gentio: enquanto Pedro e Estêvão pregaram aos ouvintes judeus, Paulo falou aos filósofos atenienses e aos governadores romanos, e sua vida revela muitos paralelos com a vida de Justino. O apóstolo era um judeu nascido em área gentia (Tarso); Justino era um gentio nascido em área judaica (a antiga Siquém); ambos tinham boa formação intelectual e religiosa, e usavam o dom da argumentação que possuíam para convencer judeus e gentios da verdade de Cristo, e tanto um quanto o outro foram martirizados em Roma em razão de sua fé.
Nos século I, durante os reinados dos imperadores Nero e Domiciano, a igreja se esforçava por sobreviver para continuar sua tradição e para mostrar ao mundo o amor de Jesus Cristo. Os não-cristãos, por outro lado, viam o cristianismo como uma seita primitiva, uma ramificação do judaismo caracterizada por ensinamentos e práticas estranhas.
Em meados do século II – imperadores menos radicais como Trajano, Antonino Pio e Marco Aurélio – possibilitaram à igreja uma nova ação: explicar o motivo de sua existência para o mundo de maneira convincente. Foi então que Justino se tornou um dos primeiros apologistas cristãos, ou seja, um dos que explicavam a fé como sistema racional. Com escritores que surgiriam mais tarde – como Orígenes e Tertuliano – ele interpretou o cristianismo em termos que seriam familiares aos gregos e aos romanos instruídos de seus dias.
A maior obra de Justino, a Apologia – que em grego significa a lógica na qual as crenças de uma pessoa são baseadas – deve ter sido escrita entre os anos 15-155, e foi endereçada ao imperador Antonino Pio. Justino explicava e defendia sua fé, discutia com as autoridades romanas a perseguição aos cristãos, e argumentava que as autoridades deveriam unir forças com os cristãos na denúncia da falsidade das crenças pagãs.
Para Justino, toda verdade era a verdade de Deus. Acreditava que os grandes filósofos gregos haviam sido inspirados por Deus até certo ponto, mas permaneciam cegos com relação à plenitude da verdade de Cristo. Com este enfoque, Justino trabalhou livremente com o pensamento grego, explicando Cristo como o cumprimento daquela verdade, utilizando o princípio apresentado pelo apóstolo João, no qual Cristo é o logos, a Palavra. Deus Pai era santo e separado da humanidade maligna – e Justino concordava com Platão nesse aspecto – porém dizia que por intermédio de Cristo, seu logos, Deus pôde enfim alcançar os seres humanos.
Como Paulo, Justino não abandonou os judeus à medida que se aproximava dos gregos, e em outra grande obra, Diálogo com Trifão, ele escreve a um judeu seu conhecido, apresentando Cristo como o cumprimento da tradição hebraica.
A doutrina fundamental de Justino pode ser resumida nos seguintes princípios básicos:
- O cristianismo é a “única filosofia segura e útil” (Diálogo 8), resultado último e definitivo ao qual a razão deve chegar em sua investigação. E a razão nada mais é do que o Verbo de Deus, isto é, Cristo, do qual participa todo o gênero humano (Apologia I, 46).
- 2. Os que viveram conforme a razão são cristãos, embora tenham sido considerados ateus… “De modo que aqueles que nasceram e viveram irracionalmente foram malvados e inimigos de Cristo e assassinos dos que vivem segundo a razão; mas aqueles que viveram e vivem segundo a razão, são cristãos impávidos e tranqüilos.”
- Porém, esses cristãos anteriores não conheceram toda a verdade. Havia neles sementes de verdade que não puderam entender perfeitamente (Apologia I, 44).
- “Tudo o que de verdade se tenha dito pertence a nós, cristãos; já que, além de Deus, nós adoramos e amamos o logos do Deus ingênito e inefável, o que se fez homem por nós, para nos curar de nossas doenças, participando delas” (Apologia II, 13).
Além de escrever, Justino também viajou bastante, sempre argumentando a favor da fé, tendo se encontrado com Trifão em Éfeso, e com Marcião, o líder gnóstico, em Roma. Em outra ocasião, durante uma viagem a Roma, Justino se indispôs com um homem chamado Crescendo, o Cínico. Quando Justino retornou a Roma, por volta do ano 165, Crescendo o denunciou às autoridades, e Justino foi preso, torturado e decapitado, juntamente com outros seis crentes, entre os anos 163-167.
Justino escreveu certa vez a seus detratores que “vocês podem nos matar, mas não podem nos causar dano verdadeiro”, e apegou-se a essa convicção até a morte, quando recebeu o nome que passaria a usar por toda a história: Justino Mártir.