BOAS OBRAS

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BOAS OBRAS

Altiva era uma senhora muito caridosa, mas do tipo cheia de razão, fazendo jus ao seu nome. Dava esmolas a todo pedinte que encontrava, e não havia pessoa carente que batesse à sua porta que não recebesse algo para si, um alimento, uma roupa ou até mesmo dinheiro, e em seu carro mantinha pacotes de biscoitos para dar às crianças que encontrava esmolando. Chegou a enfrentar reclamações dos vizinhos do prédio onde morava, incomodados com aquela permanente romaria de pobres que ali acorriam. Altiva sentia uma verdadeira compulsão em fazer caridade, assegurando a todos que podia que lera que “fora da caridade não há salvação”. Uma certa época dedicou-se até a intermediar a adoção de crianças, chegando a abrigar em sua própria casa as moças grávidas que iriam doar seus bebês. Considerava-se uma mulher de fé, embora do tipo “todos os caminhos levam a Deus”, e quando amigos tentavam falar-lhe de Jesus e da salvação, ela ouvia, mas respondia que aquilo não era para ela, que sabia o que estava fazendo.

 

Também costumava fazer promessas o tempo todo, acendia muitas velas (tinha até um altar pessoal em casa), não saía sem ler o horóscopo e em sua biblioteca a predominância era de livros místicos dos mais variados tipos. As paredes de sua casa eram forradas de folhas impressas com alguns Salmos que recitava regularmente antes de sair de casa para se sentir segura, como se fossem fórmulas mágicas. Mas Altiva era uma pessoa profundamente infeliz, angustiada, insegura quanto ao presente e muito mais com relação ao futuro. E o que movia Altiva em sua compulsão? Seria a vontade de ajudar pessoas? Sim, por certo, e não há dúvida de que era um procedimento louvável. No entanto, por trás desta atitude existia uma outra carência interior maior do que a que era exteriorizada, e que jazia oculta: era um misto de necessidade de sentir-se importante, de ser útil, de acalmar a consciência e de tentar angariar a benevolência divina, de “ficar bem com o homem lá de cima”, como ingenuamente costumava dizer.

 

Um dia, anos mais tarde, tal como surgira, a compulsão da caridosa senhora subitamente se extinguiu. E ela passou a dizer que estava cansada daquela forma de viver, e que queria curtir a vida, então passou a se dedicar a viajar, comprar roupas de grife, joias, sapatos, a ir a shows, a realizar inúmeras cirurgias plásticas na tentativa de parecer mais jovem, para fazer amizades mais “descoladas”. E como não se cansava de repetir, aproveitar a vida, ser livre para fazer o que bem quisesse e não ter que dar satisfação de nada a ninguém passou a ser seu discurso, o seu sonho, a sua meta, a sua prática.

 

Mas como tudo na vida tem um fim, tempos depois Altiva ficou gravemente doente e morreu, mas até o último momento não aceitou entregar a sua vida a Cristo, com a certeza plena de que havia se conduzido perfeitamente bem, afinal, considerava-se uma boa pessoa e, além do mais, tinha feito tanta caridade! Um grave e fatal erro porém, ela cometera: recusara-se repetidamente a conhecer e de praticar a Palavra de Deus, e se assim não fora, talvez isto a tivesse salvo ainda a tempo de alcançar a vida eterna.

 

Se tivesse lido e aceito a advertência de Jesus em Mateus 7.21, ao afirmar que “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus”, talvez tivesse compreendido a importância de fazer a vontade de Deus ao invés da própria, e assim teria sido conduzida à conversão. Quem sabe teria descoberto que a vontade de Deus é que, pela Sua graça, nos convertamos a Ele, que provemos do novo nascimento em Cristo, para só então estarmos aptos a fazer boas obras. Como Paulo em Efésios 2:8-10 tão bem expressou: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus antes preparou para que andássemos nelas.”

 

A lei de Deus requeria perfeição, porém como o homem não era e continua não sendo perfeito, não há bem algum em nós que justifique nossa salvação. Somente depositando nossa fé nos méritos de Cristo, – que de forma perfeita satisfez a Lei em nosso lugar, – é que temos a garantia da vida eterna.

 

E exclusivamente quando frutos genuínos da regeneração, as obras que realizamos são consideradas boas, pois então são aprovadas por Deus, não como justificação da salvação, mas como testemunhos da nova vida em Cristo. Elas então atestam a eficácia da obra redentora, e, portanto, glorificam a Deus na pessoa do Filho, como ensinou Jesus em Mateus 5:14-16: “Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus”.

 

A Confissão de Fé de Westminster, produzida no século XVII por eminentes teólogos cristãos com o propósito de criar uniformidade na adoração e nas doutrinas da igreja, em seu Capítulo XVI afirma de forma bastante clara e didática: “Boas obras são somente aquelas que Deus ordena em sua santa palavra, não as que, sem autoridade dela, são aconselhadas pelos homens movidos de um zelo cego ou sob qualquer outro pretexto de boa intenção. Estas boas obras, feitas em obediência aos mandamentos de Deus, são o fruto e as evidências de uma fé viva e verdadeira; por elas os crentes manifestam a sua gratidão, robustecem a sua confiança, edificam os seus irmãos, adornam a profissão do Evangelho, tapam a boca aos adversários e glorificam a Deus, em cuja feitura são criados em Jesus Cristo para isso mesmo, a fim de que, tendo o seu fruto em santificação, tenham no fim a vida eterna.”

 

A renomada e respeitada obra Teologia Sistemática de Louis Berkhof, em sua página 497, explicita quais são as características das obras espiritualmente boas:

(1) São frutos de um coração regenerado, visto que, sem isso, ninguém pode ter a disposição (obedecer a Deus) e o motivo (glorificar a Deus) exigidos conforme de lê em Mateus 12:33; 7:17-18.

(2) Não estão apenas em externa conformidade com a lei de Deus, mas também são feitas com consciente obediência à vontade revelada de Deus, isto é, porque são exigidas por Deus. Elas brotam do princípio do amor a Deus e do desejo de fazer a Sua vontade (Dt. 6:2; 1 Sm. 15:22; Is. 1:12; 29:13; Mt. 15:9).

(3) Seja qual for o seu objetivo, seu alvo final não é o bem-estar do homem, mas a glória de Deus, que é o supremo alvo concebível da vida humana (1 Cor. 10:31; Rm. 12:1; Cl. 3:17, 23). Obras evidenciam a fé viva por meio da obediência ao chamado de Deus de servi-Lo conforme a Sua vontade. A obediência é a principal função do servo!”.

 

A justificação pela fé, o ato de Deus mediante o qual Ele, por Sua graça declara justo o pecador, isentando-o de qualquer condenação, não é invenção de Paulo, era um ensino e prática de Jesus que o próprio perseguidor de cristãos experimentou na estrada de Damasco. Tiago, por outro lado, quando classifica a fé sem obras de morta, alude a quem aceitou a salvação graciosa e a usa como desculpa para cruzar os braços e viver sem qualquer compromisso com Deus.

 

E por que ninguém, a não ser os salvos, podem praticar boas obras? Porque só eles têm o Espírito Santo habitando neles a partir do momento em que aceitaram a Cristo, por isso as boas obras são o produto e não a causa da salvação. Assim sendo, tudo o que o ímpio, o perdido, faz para tentar ganhar a salvação é uma obra morta porque não implicou em arrependimento e mudança de mente, de metanoia.

 

Portanto, somente os que são regenerados podem praticar autênticas, verdadeiras boas obras, mas – mercê da graça de Deus – os não regenerados podem realizar obras que possuem conformidade exterior com a lei e servem a um propósito louvável. Porém, estas últimas obras são sempre essencialmente defeituosas, porque não têm origem no amor a Deus, não representam uma verdadeira obediência interior à lei de Deus e não visam a glória de Deus, o que Jesus, em João 7.7 afirmou a Seus discípulos: Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más.

 

Então, como podemos ter certeza de estarmos realizando uma boa obra? Muitos membros de igrejas se empenham na prática de programas criados por homens que supostamente os farão “evoluir” como cristãos, outros imaginam que se forem “bons” pelos padrões humanos e aparentarem religiosidade serão premiados com a vida eterna. Jesus desmascarou aqueles que aparentavam ser religiosos mas não tinham uma relação pessoal com Ele, não tinham aceito a Ele como Senhor e Salvador de suas vidas, por isso alertou em Mateus 7.22-23 que Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade.

 

Senhor nosso Deus Todo-Poderoso, Tu sabes como ansiamos ser servos bons e fieis Teus realizando as boas obras que esperas de nós, por isso ensina-nos – não só em nosso processo pessoal de santificação, mas também na comunhão conTigo e com nossos irmãos na fé – a cotidianamente, onde quer que estejamos, seja qual for a circunstância vivenciada, a praticá-las, assim expressando um autêntico testemunho de Cristo. É no Seu santo e gracioso nome que oramos e agradecemos contritos. Amém.

 

 

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