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NÃO VIVER EM VÃO
A famosa poetisa Emily Dickinson com sua característica sensibilidade, certa vez escreveu: Se eu puder impedir que um coração se parta / Não terei vivido em vão / Se eu puder aliviar o sofrimento de uma vida / Ou diminuir a dor / Ou ajudar um frágil rouxinol / A voltar novamente para o seu ninho / Não terei vivido em vão.
Emily Dickinson, nestas poucas linhas pintou um quadro que simboliza aqueles que têm o privilégio de conhecer a verdade da Palavra de Deus, e que, se estiverem seriamente empenhados em aplicá-la no seu dia a dia, estarão sensíveis e em prontidão para perceber à sua volta quanta tristeza há para consolar, quanta necessidade a suprir, quanta dor a mitigar. Eles são aqueles que nesse mundo realmente se importam.
Jesus em Lucas 16.19-31 nos ensina que a vida é mais do que simplesmente existir, e que morrer não é somente deixar de existir. Ele confirma a existência consciente após a morte, a realidade e o tormento do inferno, a ausência de uma segunda oportunidade de salvação após o falecimento, e a impossibilidade de comunicação entre os mortos e os vivos. Sobretudo, ilustra a colheita resultante da semeadura de uma vida longe dEle, confrontada com outra vivida com Ele, e os destinos eternos opostos que produzem: “Ora, havia certo homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e que, todos os dias, se regalava esplendidamente. Havia também certo mendigo, chamado Lázaro, coberto de chagas, que jazia à porta daquele; e desejava alimentar-se das migalhas que caíam da mesa do rico; e até os cães vinham lamber-lhe as úlceras. Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado. No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio. Então, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em tormentos. E, além de tudo, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar para nós. Então, replicou: Pai, eu te imploro que o mandes à minha casa paterna, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de não virem também para este lugar de tormento. Respondeu Abraão: Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos. Mas ele insistiu: Não, pai Abraão; se alguém dentre os mortos for ter com eles, arrepender-se-ão. Abraão, porém, lhe respondeu: Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos”.
O relato de Jesus envolve duas vidas na Terra, duas mortes físicas e duas vidas na eternidade; um dos personagens, cujo nome não é mencionado, é caracterizado como possuidor de muitos bens materiais, vivendo em opulência e luxo, e o outro, protótipo de pessoa materialmente miserável, mendigo de tudo carente, famélico, doente, escória da sociedade, chamado Lázaro, que vivia na mais abjeta pobreza. É um retrato do que vemos acontecer nos dias de hoje em nosso mundo, porém que usualmente se diferencia por um detalhe: suas vidas dificilmente se cruzam, ao contrário do que aconteceu com aquele homem opulento e Lázaro.
A história prossegue após a morte de ambos, e paradoxalmente suas condições se invertem: o rico agora é um infeliz sofredor penando as dores do inferno, enquanto o mendigo se regozija na glória. O que aconteceu com o homem rico? Não tinha mandado expulsar o pobre de seu portão, não tinha lhe negado as migalhas de sua mesa, não tinha usado de crueldade para com ele, não obstante ignorou-o completamente, centrado apenas em seu próprio prazer e bem-estar, em sua “superioridade” social e econômica, como se o pobre apenas fizesse parte da paisagem distante, e sua triste condição em nada lhe dissesse respeito.
Ao rico, em suma, faltou interesse, respeito e consideração para com o pobre; não foi a sua riqueza que o condenou, mas sim a ausência do amor de Deus em si mesmo, a inexistência de fé salvadora no Senhor e a sua recusa implícita de crer nEle. Lázaro, por sua vez, não foi salvo porque era pobre, humilde e desvalido, e sim porque confiava em Deus para a salvação de sua alma.
Jesus assim nos mostra que a condenação do rico não se deu por causa de algo que tivesse feito contra o pobre, mas sim por tudo o que poderia ter feito em seu favor, e não fez, ignorando totalmente a miséria, o sofrimento e a necessidade por que passava um semelhante seu; podia perfeitamente mitigar sua indigência, pois dispunha de recursos financeiros para tanto, mas “… vendo-o, passou ao largo…”, como procederam o sacerdote e o levita da parábola do Bom Samaritano, em Lucas 10.25-37.
Somente ao ver-se entregue ao triste destino que ele mesmo havia construído, o rico lembra-se de clamar por misericórdia a Abraão que estava no céu com Lázaro ao seu lado e, ao perceber a condição privilegiada de que o mendigo agora usufruía – mas ainda agindo com a arrogância própria de quem está acostumado a dar ordens a alguém inferior – pede que seja ordenado ao outrora desprezado esmoler para lhe mitigar a sede abrasadora.
Abraão, no entanto, relembra-lhe a condição em que ambos viviam no mundo, e mostra que agora na eternidade há uma outra realidade vigorando em que, além de uma completa inversão dos valores a que estava habituado, está posto um abismo instransponível a separá-los.
Jesus desta forma torna patente que são as escolhas que fazemos na vida terreal que determinam nosso lugar na eternidade, e que, uma vez a morte física nos alcançando, não há mais nada a fazer para que haja alteração do destino eterno de cada um.
Em sua nova deplorável condição, o rico então percebe que os seus cinco irmãos teriam o mesmo terrível destino que a ele coube, então implora a Abraão que envie Lázaro a eles, para que os advirta sobre o fim que também teriam caso não mudassem suas condutas. Mas Abraão responde que seus irmãos tinham à sua disposição as Escrituras do Antigo Testamento, suficientes para avisá-los do que os esperava. O rico ainda insiste que se alguém ressurreto fosse a eles, arrepender-se-iam, mas Abrão foi taxativo: não ouvir a Palavra de Deus é um pecado fatal. Se as pessoas não creem na Bíblia, mesmo que alguém ressuscite dentre os mortos, continuarão incréus, e a prova disso é o próprio Jesus, que ressuscitou dos mortos e foi visto por muitas testemunhas, e mesmo assim, desde então até os dias de hoje, muitos insistem em não crer nEle.
Alertados de que não poderiam servir simultaneamente a Deus e às riquezas, os avarentos fariseus ouviam a Jesus e O ridicularizavam, pois tradicionalmente consideravam que a prosperidade material era consequência do reconhecimento divino da retidão e merecimento do abastado. Por isso, a história que Jesus contou, em que um mendigo doente é premiado, enquanto um homem rico é castigado, deixou-os revoltados e alarmados, e não conseguiam atinar que a razão pela qual o rico foi lançado no inferno não era a riqueza, mas sim o egoísmo, que impediu que fosse generoso com Lázaro, ao não lhe devotar o amor que era devido ao próximo e, por consequência e acima de tudo, a Deus, por meio do socorro ao necessitado.
Há pessoas ingratas, a quem Deus provê de tudo, cobrindo-as fartamente de bênçãos, mas que, em contrapartida, manifestam um coração empedernido que exclui qualquer coisa que não seja o próprio ego. Não compreendem que o mais importante não é o tamanho da riqueza que alguém possui, mas sim a forma como a utiliza, da mesma maneira que as poucas posses de uma pessoa não são impedimento para que seja generosa.
É pela Palavra de Deus que como crentes sabemos que, quando morrermos, nosso corpo irá para a sepultura, mas nossa alma estará com Cristo no céu, e é Ele mesmo quem nos garante em João 3.36a que “… quem crê no Filho tem a vida eterna…”; porém, em seguida, no mesmo verso, faz uma dura advertência sobre o futuro que aguarda o descrente: “… o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus”.
Paulo, em 1 Tessalonicenses 4.14-17 (NTLH), esclarece de forma cabal o que acontecerá com os crentes quando do arrebatamento: nossos corpos serão ressuscitados tal como foi o corpo de Jesus, e viveremos eternamente com Cristo: “Nós cremos que Jesus morreu e ressuscitou; e assim cremos também que, depois que Jesus vier, Deus o levará de volta e, junto com ele, levará os que morreram crendo nele (…): nós, os que estivermos vivos no dia da vinda do Senhor, não iremos antes daqueles que já morreram, (…) e então o próprio Senhor descerá do céu. Aqueles que morreram crendo em Cristo ressuscitarão primeiro. Então nós, os que estivermos vivos, seremos levados nas nuvens, junto com eles, para nos encontrarmos com o Senhor no ar. E assim ficaremos para sempre com o Senhor”.
Os ímpios, no entanto, como relata o apóstolo João em Apocalipse 20.12,15, terão um destino terrível: “Vi também os mortos, os grandes e os pequenos, postos em pé diante do trono. Então, se abriram livros. Ainda outro livro, o Livro da Vida, foi aberto. E os mortos foram julgados, segundo as suas obras, conforme o que se achava escrito nos livros. (…) E, se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lago de fogo”.
Este é o juízo do Grande Trono Branco, quando serão abertos os livros onde estão registradas as obras de cada um, boas ou más, e representa o julgamento de Deus que define o futuro eterno de todos os homens. Relembremos que não somos salvos pelas nossas obras, mas elas revelam o grau de nossa obediência à vontade de Deus e nosso amor a Ele e ao próximo.
A advertência de Jesus não foi dada apenas aos antigos fariseus, mas também aos modernos, igualmente idólatras hipócritas que vivem para cultuar o dinheiro e os bens terrenos, e que assim agindo correm o sério risco de perder suas almas, e a respeito de quem o teólogo e escritor William MacDonald com perspicácia e sabedoria ponderou: “É melhor mendigar o pão na terra que pedir água no Hades”.
Deus amado, ajuda-nos a ser mais generosos, voltando sempre nossos olhos para aqueles com quem devemos compartilhar o que temos, pois tudo vem de Ti, e Tu nos concedeste muito mais do que na realidade precisamos. Coloca em nosso caminho aqueles a quem Tu desejas que auxiliemos, e toca em nossos corações para que tenhamos o discernimento necessário para fazer a Tua vontade. Não queremos, ó Pai, viver em vão, mas desejamos ser servos úteis Teus, cooperando para mitigar sofrimentos, promover a alegria, a paz, o amor e a concórdia, em nome de Teu Filho Amado, Jesus Cristo. Amém.
10 de junho de 2023
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