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ACOLHIMENTO
Lá estava aquele rapaz em férias com sua família num acampamento isolado e com o carro enguiçado. Então decidiu procurar no Google e conseguiu ligar para a única companhia de autossocorro próxima, localizada a cerca de 30 km dali. “Não tem problema”, disse a pessoa do outro lado da linha, “normalmente não trabalho aos domingos, mas posso chegar aí em mais ou menos meia hora”.
Quando chegou o caminhão, observou com espanto o motorista descer com aparelhos nas duas pernas e apoiado em muletas para se locomover. Santo Deus! Ele era deficiente físico! Enquanto ele examinava o carro, o rapaz começou a imaginar o preço do serviço, quando ouviu-o dizer: “É só a bateria descarregada, com uma carga elétrica vocês poderão seguir viagem”, disse ele.
O homem era impressionante: enquanto a bateria carregava, distraiu o filho do rapaz com truques de mágica, e chegou a tirar uma moeda da orelha do menino, presenteando-o. Depois que recolocou os cabos de volta no caminhão, o rapaz perguntou quanto lhe devia. “Nada, não!…”, respondeu o profissional, para surpresa do rapaz. “Mas tenho que lhe pagar alguma coisa”, insistiu. “Não…”, reiterou o motorista. “Há muitos anos atrás, alguém me ajudou a sair de uma situação muito pior que esta, quando perdi as minhas pernas, e o sujeito que me socorreu, simplesmente me disse: Quando tiver uma oportunidade, FAÇA O MESMO.”
Será que damos aos outros da mesma forma como recebemos tantas dádivas, e será que estamos fazendo aos outros uma parcela mínima que seja das coisas maravilhosas que Deus já nos fez e que continua a fazer, e que nós às vezes sequer percebemos ou valorizamos, e pelas quais até mesmo esquecemos de agradecer? A atitude de gratidão – onde quer que estejamos, mas em especial na igreja, a Casa de Oração de Deus – tem relação direta com a forma como tratamos nossos irmãos e com a qualidade do acolhimento que lhes damos.
Há mais de 2.700 anos o profeta Isaías, como porta-voz do Senhor, escreveu em seu livro, no capítulo 56, verso 7: “…os levarei ao meu santo monte e os alegrarei na minha Casa de Oração; os seus holocaustos e os seus sacrifícios serão aceitos no meu altar, porque a minha casa será chamada Casa de Oração para todos os povos”. Mas aproximadamente 700 anos depois, na época do ministério terreno de Jesus, a Casa de Oração de Deus – o Templo em Jerusalém – já se achava poluído pelo mundanismo de então, provocado pela ação do homem, com sua capacidade inexcedível de conspurcar o que o Senhor cria puro e sem mácula, o que obrigou o Mestre, como está registrado em Mateus 21.13, a expulsar os vendilhões, “E disse-lhes: Está escrito: ”A minha casa será chamada casa de oração; vós, porém, a transformais em covil de salteadores.”
Pouco depois, em torno do ano 60 de nossa era, o apóstolo Paulo, quando o cristianismo emergente era abrigado nas casas daqueles que eram do Caminho, escreveu em 1 Coríntios 16.19: “As igrejas da Ásia vos saúdam. No Senhor, muito vos saúdam Áquila e Priscila e, bem assim, a igreja que está na casa deles”, revelando duas mudanças importantes que a Casa de Oração de Deus tinha sofrido: por um lado havia diminuído em imponência física, mas ganho em valor espiritual, ao instaurar a volta da pureza doutrinária exigida por Deus.
Além disso, agora passava a abrigar o Corpo de Cristo, a Sua Igreja. E qual é a situação nos dias de hoje? Seja nos templos construídos especialmente para a finalidade da adoração, seja nas residências que se abrem para proclamar a Palavra – resgatando a forma de cultuar do primeiro século e tornando-se também Casas de Oração de Deus – o propósito que o Senhor estabeleceu para que receba todos os povos, é o mesmo: buscar a glória de Deus, acolhendo todo aquele que quiser se unir aos santos, tendo a oportunidade de conhecer, adorar e louvar a Cristo.
Deus criou Sua Casa de Oração, para que Seus filhos nela pudessem congregar em união e amor por Ele e uns pelos outros, para adorá-Lo em espírito e em verdade, como o apóstolo deixou registrado em João 4.23-24: “Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade.”
Casa de Oração é o abrigo que o Senhor fez construir com a finalidade de que o amor permeasse a tudo e a todos, um verdadeiro espaço de retribuição por tudo o que temos recebido. O mundo um dia – na volta de Cristo – será uma gigantesca Casa de Oração, onde não haverá distinção entre criaturas e filhos de Deus, pois todos seremos membros da Sua família, e verdadeiros adoradores e retribuidores do bem que recebemos.
Até que este dia chegue, no entanto, precisamos nos empenhar na busca do aprendizado do que é ter verdadeira comunhão simultaneamente com Ele e com nosso irmão. E, cabe aqui a lembrança de que, se não temos comunhão com Ele, é impossível ter com o irmão, e vice-versa; uma comunhão é pré-requisito da outra. Da mesma forma, se não acolhemos a Ele – que é o nosso Pai – em nossa vida, reservando-lhe lugar de honra, como poderemos acolher a nosso irmão de forma digna, e se não amamos nosso irmão, como poderemos amar a Deus, é o que afirma 1 João 4.20: “… pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”.
Mas o acolhimento não pode se resumir apenas ao primeiro dia ou aos primeiros tempos em que o irmão é recebido na Casa de Oração. A ele – como a todos os irmãos – será sempre necessário conceder permanentemente atenção, afeto e demonstrações de interesse pessoal. Ele precisa ser incluído, nunca excluído, e deve ser estimulado a que seus dons e talentos sejam utilizados para a glória de Deus.
A Casa do Senhor é o santuário feito para adorar, prestar culto e ouvir a voz de Deus, da mesma forma como Ele disse a Moisés em Êxodo 25.22: “Ali virei a ti, e de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do Testemunho, falarei contigo a respeito de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.”
No mesmo sentido o apóstolo Paulo, na carta aos Romanos 15.7, exortou-os: “Portanto, acolhei-vos uns aos outros, como também Cristo nos acolheu para a glória de Deus.” No entanto, para acolher é preciso amar sinceramente, e para amar aos outros é preciso, com tolerância, aceitá-los exatamente como são naquele estágio de suas vidas.
Talvez nossos irmãos nos agradassem mais se fossem gentis, educados e amorosos como gostaríamos, e quem sabe eles próprios não gostem de ser como são. Mas será que podemos aceitá-los exatamente como são agora, apesar da sua conduta que talvez seja reprovável em alguns aspectos? Antes de mais nada, precisamos considerar que a total aceitação deles como pessoas constitui-se no primeiro e vital passo para a sua transformação.
Quando aceitamos as pessoas exatamente como são tornamos palpável a amorosa grandeza do Evangelho onde Deus nos pede que ajamos de maneira acolhedora, como Ele sempre fez com relação a nós, da mesma forma que as relações com o nosso Pai devem se desenvolver com mútua aceitação e respeito, como Ele ensinou em Lucas 6.36: “Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai”. O apóstolo diz a propósito do acolhimento em 3 João 1.8: “Portanto, devemos acolher esses irmãos, para nos tornarmos cooperadores da verdade”. E Paulo determina em Romanos 12.10: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros”.
Será que podemos receber com amor alguém – mesmo que alcoólatra, viciado em drogas, homem desonesto, senhora indelicada, neurótico que se engana a si mesmo, hipocondríaco manipulador, pessoa tremendamente inescrupulosa ou vadio inveterado – naturalmente sem aceitar sua conduta, porém não deixando de acolhê-la com amor? Nesta circunstância nos reportamos a Paulo quando repreende seus leitores em Romanos 14.10: “Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Pois todos compareceremos perante o tribunal de Deus.”
Geralmente percebemos de imediato o comportamento ofensivo, a desonestidade às vezes pode ser óbvia, a embriaguez é facilmente discernível, e a indelicadeza com frequência pode ser sentida com clareza, mas quem é capaz de perceber eventuais valores que se achem profundamente entesourados no íntimo da pessoa? E quem pode conhecer o estado emocional deste ser que talvez esteja marcado por problemas vividos no passado, cujos efeitos se revelam no presente?
Não podemos jamais esquecer que este próximo é uma criatura de Deus, e que pode estar em nossas mãos sermos instrumento do Senhor para a sua salvação. Talvez se conhecermos sua história, cheguemos à conclusão de que uma paciente aceitação não é assim tão difícil, afinal, Deus é extraordinariamente longânimo conosco, pacientemente acolhedor com todos, e o que pede não é mais do isso: que nós também assim sejamos.
Portanto, a atitude que devemos assumir é a de tolerância e, sob a direção divina, relevarmos as mútuas diferenças, espelhando-nos em Jesus, nosso modelo não apenas de santidade, mas também de aceitação. É neste sentido Paulo nos exorta em Romanos 15.5: “Ora, o Deus da paciência e da consolação vos conceda o mesmo sentir de uns para com os outros, segundo Cristo Jesus”, e, para que não nos esqueçamos, ordena no verso 7: “Portanto, acolhei-vos uns aos outros, com também Cristo nos acolheu para a glória de Deus”.
Deus quer que transmitamos o Seu amor incondicional, sendo assim, um verdadeiro cristão nunca pode dizer a outro “Eu te amo se…”, mas sempre afirmar: “Eu te amo como tu és”. A questão do acolhimento é tão importante para Deus que na Sua Palavra encontramos várias outras ordenanças de sentido positivo com relação ao nosso irmão: “…que vos ameis uns aos outros” (João 13.34; 15.12,17); “Saudai-vos uns aos outros…” (Romanos 16.16); “…cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros” (1 Coríntios 12.25); “…suportando-vos uns aos outros em amor…” (Efésios 4.2); “…perdoando-vos uns aos outros…” (Efésios 4.32); “…sujeitando-vos uns aos outros…” (Efésios 5.21).
E, acima de tudo, recordemos a conhecida Regra de Ouro que Jesus enunciou em Mateus 7.12, que é o fundamento do amor, da bondade e da misericórdia com que Deus nos trata a cada dia, ensinando sabiamente que “Tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles; porque esta é a Lei e os Profetas”.
Mas há também aquelas determinações bíblicas de sentido negativo, proibindo certas atitudes: “Não nos julguemos mais uns aos outros…” (Romanos 14.13); “Se vós, porém, vos mordeis e devorais uns aos outros, vede que não sejais mutuamente destruídos.” (Gálatas 5.15); “Não deixemos nos possuir de vanglória, provocando uns aos outros, tendo inveja uns dos outros.” (Gálatas 5.26); “… não faleis mal uns dos outros.” (Tiago 4.11); “… não vos queixeis uns dos outros…” (Tiago 5.9); “Não mintais uns aos outros…” (Colossenses 3.9). Mas, apesar de tantas ordens divinas, muitas vezes nos esquecemos ou desdenhamos a vontade do Senhor.
Cristo nos acolheu para a eternidade, por isso Sua Casa de Oração deve acolher a todos sempre amorosamente, sem preconceito, pré-julgamento ou prevenção. Não pode haver rejeição a quem busca abrigo, mesmo que grave pecado tenha cometido, e o padrão de acolhimento em amor deve ser mantido todos os dias, até a volta de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois, como Paulo assevera em Efésios 6.9, “… o Senhor (…) está nos céus e (…) para com ele não há acepção de pessoas”.
Senhor nosso Pai, Deus de amor e misericórdia, concede-nos a graça do entendimento e da prática do acolhimento como comprovação da obediência, do amor e da misericórdia que todos os Teus filhos devem expressar com relação a Ti e ao próximo. Que abriguemos em nosso íntimo a firme convicção de que acolher é permitir que o outro – como representante de todos os povos – tenha prioridade em nosso coração, mesmo que em eventual detrimento das nossas próprias necessidades. Assim oramos em nome de Cristo Jesus. Amém.
26 de março de 2022
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