HUMILDADE
É paradoxal considerarmos que o ser mais humilde que já passou pela terra foi o maior, o mais importante de todos: o Supremo Soberano agindo como servo, o Magnífico Criador vivendo em extrema pobreza, o Poderoso Salvador entregando Sua preciosíssima existência na carne em favor de seres pecadores, maus, corruptos como nós, que nada merecemos a não ser condenação, mas a quem viera trazer vida abundante e eterna!
E Sua humildade era tão grande, tão marcante e expressiva que se repete em várias passagens do Evangelho de João, onde Ele, apesar de não empregar explicitamente a palavra humildade, deixa claro o que é ser verdadeiramente humilde, como um exemplo para nós em nossa pequenez arrogante: “… Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai…” (5.19); “Eu nada posso fazer de mim mesmo; (…) porque não procuro a minha própria vontade, e sim a daquele que me enviou”. (5.30); “Porque eu desci do céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim a vontade daquele que me enviou”. (6.38); “… O meu ensino não é meu, e sim daquele que me enviou”. (7.16); “… não vim porque eu, de mim mesmo, o quisesse…” (7.28); “… nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me ensinou”. (8.28); “… eu vim de Deus e aqui estou; pois não vim de mim mesmo, mas ele me enviou”. (8.42); “Eu não procuro a minha própria glória…” (8.50); “… Se eu me glorifico a mim mesmo, a minha glória nada é; quem me glorifica é meu Pai…” (8.54); “Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que anunciar”. (12.49); “Ora, se eu, sendo o Senhor e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros”. (13.14); “… As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo…” (14.10); “… a palavra que estais ouvindo não é minha, mas do Pai, que me enviou”. (14.24); “… assim procedo para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que faço como o Pai me ordenou…” (14.31); “… tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho dado a conhecer”. (15.15).
O que Jesus estava demonstrando é que Ele não era nada para que Deus fosse tudo, renunciando integralmente, inteiramente, completamente a Si mesmo, à Sua própria vontade, poder e individualidade para que, como humilde cordeirinho, fosse guiado todo o tempo da Sua peregrinação na terra para realizar a obra que Deus Lhe tinha proposto. E assim Ele nos mostra que somente uma vida de total entrega, abnegação, submissão e dependência da vontade do Pai é uma vida de perfeita paz e alegria.
Jesus nada perdeu dando tudo e entregando-Se inteiramente nas mãos do Pai, que fez tudo para Ele e O exaltou à Sua mão direita em glória. E porque Se humilhou dessa maneira diante do Pai, humilhou-Se também diante dos homens, tornando-Se Servo de todos, humildemente permitindo que o Pai fizesse com Ele o que fosse da Sua vontade, sem importar-Se com o que seria dito dEle ou feito com Ele.
Jesus sabia que uma vida de absoluta humildade, desprendimento, altruísmo e absolutas submissão e dependência do Pai, era a única vida verdadeira, e esta é uma lição de extraordinária importância para nós também, quando agimos tal como o Filho Amado e descobrimos que entregar tudo a Deus é a fórmula infalível para nada perdermos e tudo ganharmos.
E é para nos trazer esta disposição sábia que nos é permitido ser participantes de Cristo, e apesar de tal privilégio, mantermos o nosso ego – que nada de bom tem em si mesmo – como um vaso sem qualquer conteúdo, porém ávido por ser preenchido com muitas bênçãos para serem distribuídas aos que a nós se achegam. Acima de tudo, portanto, é desta forma que poderemos estar em Cristo, nada sendo, nada tendo e nada tentando fazer de nós próprios para que Deus seja tudo, e esta é a raiz e a natureza da verdadeira humildade.
É mister, assim, que aprendamos com Jesus a sermos mansos e humildades de coração, e acharemos a nossa força no conhecimento de que é Deus quem opera tudo em todos, e que se nos rendermos a Ele em total dependência, nada sendo e nada fazendo por nós mesmos, conheceremos a vida verdadeira que Cristo veio nos revelar e conceder, que é a vida vivida para Deus, e alcançada pela morte do pecado e do ego e intensamente desejada no coração.
O fundamento, pois, de toda virtude, amor, graça, fé e autêntica adoração, reside na plena e humilde consciência de que em nós não há nada de autêntico valor permanente que não nos tenha sido concedido do alto, que eventuais qualidades elevadas de que disponhamos são originadas e mantidas pelo agir do Espírito Santo que habita em nós, e que tudo o que fizermos não é para o nosso egoístico benefício, mas sim para o louvor e a eterna glória de Deus.
No início de Seu ministério, Jesus, nas bem-aventuranças que estão no começo do Sermão do Monte, assim afirma em Mateus 5.3,5: “Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. (…) Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”. Aparentemente contraditórias pela visão do mundo, estas afirmações de Jesus definem a forma pela qual Deus deseja que vivamos aqui na terra, frontalmente contradizendo o mundo caído que jaz no maligno, cujos valores rasteiros e deletérios veem como loucura dar ao invés de tirar, amar quando odiar é a regra geral, pacificar ao contrário de contender.
Em suma, Jesus assegura que todas as bênçãos dos céus e da terra são para os humildes, pois mansidão e humildade é o que Ele exemplifica e oferece, então em Mateus 11.29-30 convida os Seus: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”. O jugo era uma pesada peça de madeira que tinha a função de manter dois ou mais bois andando na mesma posição e no mesmo ritmo, enquanto puxavam um arado ou uma carroça. O pesado jugo a que Jesus se referia metaforicamente podia significar a carga do pecado, ou a carga das imposições excessivas dos líderes religiosos, ou a tirania dos governantes, ou a fadiga da busca de Deus, ou tudo isso somado. Jesus promete liberar as pessoas destas cargas, prometendo um descanso que é a paz com Deus, e não uma vida isenta de esforço e dedicação, pois Ele transforma um labor exaustivo e vão em produtividade espiritual com um propósito gracioso.
Quando iniciou-se uma discussão entre os discípulos relatada em Lucas 9.46-48 sobre qual deles seria o maior, “… Jesus, sabendo o que se lhes passava no coração, tomou uma criança, colocou-a junto a si e lhes disse: Quem receber esta criança em meu nome a mim me recebe; e quem receber a mim recebe aquele que me enviou; porque aquele que entre vós for o menor de todos, esse é que é grande. Que tremenda lição Jesus nos dá, mostrando que a principal glória dos céus, a graça mais relevante é a humildade como de uma criança!
Pregando às multidões e aos discípulos e referindo-se ao amor dos fariseus pelas primeiras cadeiras nas sinagogas, Jesus assegurou em Mateus 23.11-12: “Mas o maior dentre vós será vosso servo. Quem a si mesmo se exaltar será humilhado; e quem a si mesmo se humilhar será exaltado”. Seja onde for que estejamos, mas principalmente no templo, na adoração a Deus, tudo o que não for permeado por profunda humildade é sem valor e jamais terá a aprovação divina.
Na mesa da Santa Ceia, no Evangelho de Lucas 22.25-27, os discípulos ainda competiam entre si sobre qual deles seria o maior, “Mas Jesus lhes disse: Os reis dos povos dominam sobre eles, e os que exercem autoridade são chamados benfeitores. Mas vós não sois assim; pelo contrário, o maior entre vós seja como o menor; e aquele que dirige seja como o que serve. Pois qual é maior: quem está à mesa ou quem serve? Porventura, não é quem está à mesa? Pois, no meio de vós, eu sou como quem serve”. O sistema de liderança do mundo é totalmente diferente daquele que rege o Reino de Deus: enquanto os líderes do mundo muitas vezes são arrogantes, egoístas e soberbos, no Reino Eterno a humildade prevalece acima de tudo, por isso entre os cristãos lidera quem serve mais e melhor, aquele que tem um coração de servo, que busca se assemelhar a Jesus em Sua humildade absoluta. E Jesus nos chama para sermos servos uns dos outros, o serviço mais abençoado de todos, aquele que significa a plena libertação do pecado e do ego. O escritor cristão Andrew Murray em seu livro Humildade – A Beleza da Santidade, escreve poeticamente que “Assim como a água busca e preenche o lugar mais baixo, assim também, no momento em que Deus encontra a criatura rebaixada e esvaziada, Sua glória e poder fluem para exaltar e abençoar”.
Paulo, em sua segunda carta aos Coríntios, no capítulo 12.1-10, relata a extraordinária experiência transcendental que havia tido, e no versículo 7 mostra que Deus então cuidou amorosamente para evitar que ele não se exaltasse a si mesmo: “E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte”. O sofrimento de Paulo, portanto, era uma bênção concedida na mansidão e na humilhação, e ele então a invés de simplesmente tolerá-lo, gloriava-se nele, em lugar de focar no livramento, passou a ter prazer nele, o que impediria que o orgulho, a presunção e a soberba se apoderassem de sua conduta, afastando-o de Cristo.
Contudo, provavelmente todos nós cristãos, na busca por humildade passamos por duas fases, após aceitar a ordenança do Senhor: a primeira é de temor, rejeição e fuga de tudo o que nos possa ser motivo de humilhação, porque sabemos que os ataques, muitas vezes injustos, ferem nossa alma e então instintivamente buscamos formas de nos defender e contra-atacar quem nos agrediu porque ainda não nos libertamos do domínio do ego. Desta forma, demonstramos que humilhar-nos ainda não se tornou uma expressão automática de uma vida e de uma natureza que devem ser eminentemente humildes, e ainda não temos a suficiente compaixão por nosso agressor e prazer na humilhação, tal como Paulo manifesta em 2 Coríntios 12.9-10, confessando o que Deus lhe falou: “Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte”.
Mas, será possível alcançarmos tal estágio de autodomínio, de negação do próprio eu, de tolerância e misericórdia por quem nos ofende? Somente a poderosa presença de Jesus e o agir irresistível do Espírito Santo em nós, poderá expulsar todo o desejo e a reação automática, instintiva, de reação, e buscar em nós mesmos a atitude mansa de aceitação, de perdão e de deleite como resposta que Deus aprova, e que é a nossa maior bênção.
Portanto, a mais preciosa lição que um cristão deve aprender para se assemelhar mais a Cristo é a humildade. Ele pode ser altamente consagrado, fervorosamente zeloso, grande conhecedor da Palavra e ainda assim exaltar-se inconscientemente por causa de sua natureza arrogante. É como a escritora norte-americana Mignon McLaughlin, certa vez afirmou: “A pessoa orgulhosa pode aprender a ser humilde, mas terá orgulho da sua humildade”.
Através de problemas, sofrimento e fraqueza Deus nos exercita para sermos humildes, para que aprendamos que a Sua prodigiosa graça é fundamental para nós, e que por isso devemos ter profundo júbilo em tudo o que nos humilha e que nos mantém humildes. Então o Seu poder se aperfeiçoará em nossa fraqueza, e Sua augusta presença preencherá e saciará completamente a nossa sede dEle, o Único que pode plenificar totalmente o nosso vazio da alma, que então será inundada de alegria. Jesus Se humilhou e por isso Deus O exaltou e ele nos humilhará e nos manterá humildes porque esse é o segredo do verdadeiro regozijo que nada nem ninguém pode macular.
Ó Senhor, dá-me humildade para reconhecer a minha tão grande desprezível pequenez! E que permitas que eu diminua mais e mais para que Jesus cresça mais e mais em mim, tornando-se tudo para mim! Que na vida eu sempre aja buscando exaltar-Te acima de todas as coisas, jamais sendo orgulhoso, soberbo ou arrogante, e por mais que as circunstâncias possam levar os outros a tecer elogios sobre mim, que eu esteja sempre ciente de que tudo vem de Ti, e tudo é feito para Ti, exclusivamente para o Teu louvor, glória e honra hoje e sempre, por toda a eternidade. Porque Paulo ensina em 1Coríntios 1.28-2 que “Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus”. Assim oro contrito e agradecido em o nome santo e precioso de Jesus, que está sobremaneira exaltado acima de todo nome. Amém.
23 de setembro de 2023
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