Sexta-feira, 17 de novembro de 2023, marcou o dia em que um terrível recorde mundial climático foi rompido: pela primeira vez na história a temperatura global média superou os 2o Celsius de anomalia e atingiu exatos 2,07o C acima dos níveis pré-industriais (1850-1900). Esse calor extraordinário ocorre em um ano marcado pela forte ação do fenômeno El Niño, mas também pelo aumento expressivo das emissões de gases de efeito estufa, como resultado das atividades humanas, como a crescente utilização de combustíveis fósseis, em especial o carvão, e pelas queimadas cada vez mais incontroláveis das florestas. Como consequência, o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus da União Europeia, dias atrás informou que 2023 deve ser o ano mais quente em 125 mil anos!
A famosa poetisa Cecília Meireles certa ocasião escreveu um poema que parece ter sido composto sob medida para denunciar a situação de descaso mundial quanto à gravidade da questão ambiental, assim dizendo:
“Como se morre de velhice ou de acidente ou de doença, morro, Senhor, de indiferença.
Da indiferença deste mundo onde o que se sente e se pensa não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça onde se escreve igual sentença para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte sem estímulo ou recompensa onde o amor equivale à ofensa.
De boca amarga e de alma triste sinto a minha própria presença num céu de loucura suspensa.
(Já não se morre de velhice nem de acidente nem de doença, mas, Senhor, só de indiferença.)”
Será que nós cristãos estamos também morrendo de indiferença? Como vemos e vivemos o ambiente que nos cerca e do qual tanto dependemos? Habitamos um mundo que Deus criou para nós como lar abençoado, que nos oferece tudo o que necessitamos para viver, mas parece que, quando muito, nos sentimos responsáveis apenas pelo mundinho limitado pelo muro de nossa casa ou edifício, ou pelas paredes do nosso apartamento: o que está além não nos diz respeito, é problema dos órgãos públicos que sustentamos com nossos impostos, ou do síndico do condomínio. Isto nos dá o direito de jogar papéis na rua, de deixar os restos de móveis e de outras bugigangas que não mais nos servem na calçada ou, ainda pior, nos rios, de não nos incomodarmos em limpar o cocô de nosso cachorro do gramado público, de lançarmos pontas de cigarros, garrafas pet e sacos plásticos onde quisermos, de entupirmos as ruas das cidades com nossos automóveis, motos, ônibus e caminhões, e por aí afora.
Assim como em nossa casa oramos, fazemos nosso devocional, estudamos a Bíblia, falamos de Deus a outras pessoas – isto é, cuidamos responsavelmente das coisas do espírito – também damos atenção à limpeza, à correta separação do lixo, procuramos não desperdiçar água, energia ou alimentos e separamos o que deve ser reciclado, o meio urbano em que vivemos e a natureza também são nosso “lar estendido”, e merecem e requerem o mesmo tipo de cuidados.
Ou alguém em sã consciência não se importaria que sua própria casa fosse emporcalhada, destruída, que se deteriorasse a ponto de ruir, ou que fosse completamente inabitável, deixando como herança para seus filhos um ambiente degradado e deletério? Ou será que agimos correta e responsavelmente apenas em nossos “domínios”, mas vemos tudo o que é errado acontecer à nossa volta e pensamos: “não é da nossa conta”?
O cristianismo genuíno é a forma verdadeira de ver e compreender a realidade que nos cerca. Em Gênesis 1.1-2.3, o relato da criação nos mostra que Deus criou tudo o que existe e, portanto, tudo está debaixo de Sua soberania. Assim sendo, toda e qualquer questão – da ética à política, da economia à sociologia, da tecnologia à ecologia – estão sob o Seu poder e controle.
A Palavra, em Colossenses 1.15-16 também nos diz que Deus criou a terra e tudo o que nela há: “Este (Cristo) é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele”. No princípio Deus instituiu relações perfeitas entre Suas criaturas, e o homem, criado à Sua imagem e semelhança, foi chamado a amar e a servir o restante da criação como mordomo que a Ele deve prestar contas. Precisamos compreender que zelar pela criação significa assumir uma atitude de adoração, de louvor e de obediência ao Criador, em reconhecimento às maravilhas com que Ele nos presenteou, tão bem cantadas por Davi no Salmo 19.1-6: “Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite revela conhecimento a outra noite. Não há linguagem, nem há palavras, e deles não se ouve nenhum som; no entanto, por toda a terra se faz ouvir a sua voz, e as suas palavras, até aos confins do mundo. Aí, pôs uma tenda para o sol, o qual, como noivo que sai dos seus aposentos, se regozija como herói, a percorrer o seu caminho. Principia numa extremidade dos céus, e até à outra vai o seu percurso; e nada refoge ao seu calor”.
Como Cristo nos ensinou e exemplificou de forma maravilhosa, o relacionamento pessoal é essencial para o cristão. Porém o cristianismo autêntico é mais que ter uma postura piedosa, de frequentar e até exercer ministérios em uma igreja: é na realidade assumi-lo como um sistema completo de vida. Deus deu ao homem a responsabilidade de governar a terra, mas com a Queda, o pecado impôs à humanidade uma conduta egoísta que perverteu totalmente seu comportamento. Nossa vocação não pode se limitar a produzir em nós uma aparência piedosa, e devemos ir à práxis do que a Palavra nos ensina, compreendendo e aplicando as ordenanças divinas que implicam em cuidados ambientais que afetam a vida de todos os seres humanos.
Mas nossa indiferença, concupiscência, ignorância e pretensão orgulhosa têm – ao longo da história – impedido que sejamos os mordomos fiéis que Deus comissionou e que espera que sejamos. Nossa desobediência tem sido a causa essencial do nosso fracasso em bem administrar o planeta, produzindo como decorrência todos os grandes problemas ambientais que vemos nos dias de hoje, das mudanças climáticas às ameaças de deterioração dos ecossistemas, como Paulo já no primeiro século de nossa era apontava em Romanos 8.20, 22: “Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, (…) Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora”.
No entanto, apesar de nós, Deus em Sua misericórdia e bondade infinitas permanece fiel, e nossa esperança – expressa em Romanos 8.21 “… de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus” – reside nEle, no cumprimento de Sua promessa de renovação de todas as coisas, feita em Apocalipse 21.5, quando assegura: “Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras”.
Amado Deus, sofremos nos dias que passam as consequências de nossa desobediência, desamor e enorme presunção. A criação perfeita que Tu fizeste geme e padece sob o jugo pesado de nossos desmandos. Perdoa-nos e dá a todos os cristãos espalhados pelo planeta a capacidade de testemunhar de Ti e de proclamar a Tua Palavra de salvação, para que todos os corações – do homem comum até o mandatário mais influente, do mais sábio até o menos esclarecido – sejam profundamente transformados e haja uma verdadeira metanoia, uma mudança de direção, de mentes e de atitudes, que possibilite a cura dos males deste nosso planeta tão doente. Em nome de Cristo Jesus oramos e agradecemos. Amém.
Continua…