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INJUSTIÇA (parte 2)
Asafe vinha se debatendo em dúvidas, questionamentos e incertezas, quando subitamente algo aconteceu, a sua compreensão mudou, e uma nova percepção da vida tomou o lugar da visão que tivera até então. Antes de ousar desaprovar o que Deus estava fazendo, parou. Prestes a lançar fora toda a sua fé e esperança, abandonando ao Senhor, lembrou-se de sua posição de responsabilidade pela liderança que exercia. Como músico principal de Davi, compositor de hinos e profeta (1 Crônicas 16.5; 25.2; 2 Crônicas 29.30), era um homem de grande influência espiritual, e a isto correspondia o enorme peso de decisões e atitudes suas que poderiam impactar as vidas de muitas pessoas. Como uma pedra lançada em um lago de águas tranquilas, o efeito das ondas de seu fracasso atingiria muita gente. A vida ensina que todas as decisões imediatistas e os fracassos espirituais são arriscados, e que o perigo é proporcional à influência de um líder.
Então Asafe revê sua posição, dizendo no verso 15: “Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos”. Ele havia se contido, não deixando transparecer tudo o que ia em seu coração, para evitar que isto causasse dano irreparável e grande desilusão ao povo de Deus. Que grande lição! Todos temos uma profunda responsabilidade uns para com os outros, e é esta percepção que deve nos guiar e ajudar a controlar nossa eventual indignação, ira e sentimento de injustiça.
Asafe não conseguia compatibilizar sua fé e crenças com as dúvidas e os questionamentos que enchiam seu coração, mas ele entendeu que não podia prejudicar a outros, revelando suas incertezas pessoais. O que fez então? Escolheu outro caminho, confessando no verso 16: “Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim”. Revelando muita coragem, desprendimento e responsabilidade, Asafe preferiu sofrer em silêncio, lutando contra a injustiça da vida e a sua própria fraqueza na fé.
Nossa existência está repleta de perguntas cujas respostas não conseguiremos encontrar até que entremos na presença do próprio Deus, como Asafe fez no verso 17: “até que entrei no santuário de Deus e atinei com o fim deles”. Santuário sugere a ideia de um lugar reservado, onde pode-se buscar proteção espiritual, descanso e renovação. Todos nós precisamos de um lugar como este, uma espécie de recôndito espiritual, onde nossos corações são restaurados e fortalecidos para as lutas de hoje e para os desafios de amanhã. Asafe entrou no santuário de Deus e aí encontrou nova perspectiva e renovada compreensão da vida, pois na presença de Deus tudo muda, com exceção das circunstâncias em que estamos envolvidos. Com sua visão de Deus corrigida, então descobriu novos detalhes que até então não havia percebido. Antes de entrar no santuário, ele sentia-se esmagado pela injustiça das desigualdades que observava, mas ao entrar entendeu que tais desigualdades serão corrigidas no dia em que Deus assentar-se no tribunal para julgar Seus inimigos.
O comentarista bíblico Roy Clemens escreveu: “A adoração coloca Deus no centro de nossa visão. Somente quando Deus está no centro de nossa visão vemos as coisas como realmente são.” Deus não pode ser objeto de especulação, mas sim de adoração, e a partir desta nova postura, desta perspectiva vertical, ao invés da perspectiva horizontal que tinha nos versos 2 e 3, e assim Asafe pôde aprender algumas lições eternas (vv. 18-20).
Desta maneira, no verso 18, ele diz: “Tu certamente os pões em lugares escorregadios e os fazes cair na destruição”. Enquanto, na perspectiva do mundo, aquelas pessoas que pareciam totalmente seguras, na perspectiva de Deus encontravam-se em terreno completamente instável, em areia movediça, por isso Asafe deixou de invejá-las.
E então ele exclama no verso 19: “Como ficam de súbito assolados, totalmente aniquilados de terror!”, com isto afirmando que estes ímpios prósperos tinham não apenas um julgamento divino certo os aguardando, mas também não saberiam quando isto iria acontecer, como sucedeu nos tempos de Noé.
No verso 20, Asafe profetiza que no tempo e na sabedoria de Deus, a lei da retribuição iria prevalecer: “Como ao sonho, quando se acorda, assim, ó Senhor, ao despertares, desprezarás a imagem deles”. Isto quer dizer que, quando Deus cuidar deles, o julgamento será de inevitável culpa e castigo. O erro anterior do salmista foi pretender que a justiça de Deus se fizesse no tempo de Asafe, e não no tempo de Deus. Somente no santuário ele pôde ver que Deus controla completamente o relógio do tempo e o calendário da prestação de contas. No santuário, Asafe também descobriu que seu verdadeiro problema não era com os ímpios, nem mesmo com Deus, mas consigo próprio. Ele havia centrado sua atenção apenas na injustiça da vida, ao invés de focar nAquele que tem o controle de tudo – o Deus Todo-Poderoso que promete a Sua justiça perfeita para os ímpios – e assim ele permitiu que seu conflito íntimo o privasse do conforto e da paz que a fé traz consigo. A honestidade crua com que Asafe descreve-se a si próprio é exemplar, ao reconhecer que não tinha razão alguma para ficar irado ou expressar uma indignação pretensamente justa, no versos 21 e 22: “Quando o coração se me amargou e as entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante; era como um irracional à tua presença”. Em outras palavras, ele agora via que quando estava com o coração angustiado e sentia inconformismo e inveja, agia como um grosseiro insensato, como um animal irracional, e esta nova percepção significava um início de sabedoria nas suas atitudes.
Os versos seguintes, 23 e 24, são uma admissão da plena suficiência de Deus na vida de todos os crentes: “Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho e depois me recebes na glória.” Quando ele encontrou no santuário a magnífica visão de Deus, ficou cheio de gratidão e de confiança nEle, e teve a certeza de que Ele estará sempre conosco, e que não existe maior fonte de coragem do que a certeza de que Ele nunca nos deixará nem nos desamparará. Compreendeu também que Deus vai sempre nos sustentar, vai sempre nos guiar por todo o caminho para casa com o Seu conselho – isto é, por meio do Espírito Santo e da Sua Palavra – e por fim vai receber-nos com glória no lar que Ele nos prometeu, para estarmos para sempre ao Seu lado. Maravilhosa promessa para quem vive neste mundo caído!
Mas o que Asafe aprendeu com suas lutas? Em primeiro lugar, no verso 25, que Deus é o mais importante na vida, e que ele portanto tinha tudo de que precisava: “Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra.”
Em segundo lugar, no verso 26, que Deus é toda a força de que necessitamos, por isso é vã toda a tentativa de buscar em nós mesmos a solução para questões que são de Sua exclusiva alçada: “Ainda que a minha carne e o meu coração desfaleçam, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre.”
Em terceiro lugar, no verso 27, Asafe entendeu que é preciso que tenhamos consciência de que Deus é tão justo quanto misericordioso: “Os que se afastam de ti, eis que perecem; tu destróis todos os que são infiéis para contigo.” Ele lembrou que teve inveja dos ímpios e de sua prosperidade, que depois lutou contra as desigualdades aparentes da vida, e até chegou ao ponto de achar que tinha vivido para servir a Deus inutilmente. No final, entretanto, compreendeu que estas questões devem ser entregues exclusivamente ao Pai Eterno, que na Sua infinita sabedoria e misericórdia saberá agir com justiça, sempre no Seu tempo perfeito.
Em quarto lugar, no verso 28, ficou claro para ele que Deus se aproxima daqueles que se aproximam dEle: “Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos”. Tanto a responsabilidade de Asafe quanto a nossa, não é julgar o mundo ou tentar trazer justiça onde predomina a injustiça. A realidade bíblica e teológica é que Deus – em sua sabedoria, onipotência e misericórdia – detém o controle de tudo, mesmo quando sofremos e não sabemos o porquê. Pela fé, Asafe finalmente compreendeu e creu, e então pôde ter a convicção profunda a respeito do que havia afirmado no verso 1: “Com efeito, Deus é bom para com Israel, para com os de coração limpo.”
É preciso lembrar que uma das razões básicas para a prosperidade dos ímpios no mundo é o fato de eles estarem em perfeita sintonia com as coisas da esfera terreal, dominada por satanás. Seus objetivos, métodos de ação, relacionamentos e atitudes estão perfeitamente identificados com aquilo que o mundo quer, valoriza e compreende. A linguagem das trevas, felizmente, não é para todos, embora o seja para a maioria. Alguém poderia imaginar Gandhi como um rico e bem-sucedido advogado? Ou madre Tereza de Calcutá como uma elegante e vazia socialite? Ou Calvino como líder e criador de uma igreja neopentecostal? Ou Albert Schweitzer como próspero proprietário de um hospital de cirurgia plástica estética em Hollywood? Espiritualmente, trevas atraem trevas, luz atrai luz, e quando a luz dissipa as trevas, podemos então perceber a glória de Deus em sua soberana e irresistível prevalência.
O que possibilita que enxerguemos além das circunstâncias que nos cercam, é conhecer e confiar na soberania, na sabedoria, no amor e na bondade de Deus, e nunca imaginar que ele não tem o controle absoluto e total de tudo, ou que não é justo, ou que não se preocupa com tudo o que acontece. E para adquirir esta perspectiva, é preciso conhecer profundamente a Deus, para então podermos confiar nEle. É preciso também que saibamos que o relacionamento, a comunhão com Deus, está fundada e cresce em nós por meio da adoração, o que insere o eterno nas questões diárias da vida, e nos lembra que Ele não conduz Seus planos de acordo com a nossa agenda, não segue pelos nossos caminhos e tampouco tem a nossa limitada visão.
A Bíblia não promete a nós cristãos uma vida isenta de lutas, de sofrimentos, de dificuldades, de perdas, de aflições e de decepções. Mas ela promete, – aos que creem em Cristo, – que terão um Companheiro de jornada que irá ajudá-los, encorajá-los e dar-lhes forças em todo o caminho. Nunca nos esqueçamos do que Deus nos diz em Hebreus 13.5-6: “… De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei (…) O Senhor é o meu auxílio, não temerei; que me poderá fazer o homem?”
Pai Grandioso, que como Asafe possamos compreender que Tu és a única verdadeira justiça, e tudo trazes sob o controle de Tuas soberanas mãos; que nada somos ou podemos sem Ti; que o Teu amor infinito é a garantia de que sempre teremos – seja qual for a circunstância – os cuidados de que necessitamos nesta passagem por este mundo de desigualdades e injustiças, até que estejamos conTigo para sempre. No nome de Cristo Jesus, Teu Filho Amado que nos trouxe a salvação. Amém.
27 de maio de 2023
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