Julgar ou Não Julgar? (parte 1)
No livro 50 Histórias para Aquecer o Coração (Chicken Soup for the Unsinkable Soul), editado por Jack Canfield, Mark Victor Hansen e Heather McNamara, destaca-se um pequeno texto muito interessante: “Certa noite uma mulher estava no aeroporto, com um longo tempo de espera pela frente até a saída do seu voo. Comprou um livro, um pacote de biscoitos e sentou-se enquanto aguardava. Embora absorta na leitura, percebeu que um homem ao seu lado tirava um biscoito do pacote colocado entre os dois. Para evitar uma cena, ela fingiu não estar vendo. Ela lia, comia biscoitos e olhava o relógio. De vez em quando, o homem voltava a tirar um biscoito do pacote, o que a foi deixando extremamente irritada, com vontade até de agredi-lo. Mas não fazia nada. Ela pegava um biscoito, ele pegava outro. Quando só faltava um, ela ficou tensa, sem saber como agir. Com um sorriso simpático, ele pegou o último biscoito e o partiu ao meio. Ofereceu a ela uma metade e comeu a outra. Ela arrancou da mão dele a metade, pensando na grosseria do homem que sequer lhe agradecera. Sentiu-se extremamente ultrajada e respirou com alívio quando chamaram seu voo. Juntou suas coisas e se dirigiu para o portão, sem sequer olhar para trás. Entrou no avião, mergulhou na poltrona e abriu a maleta para pegar o casaco. O susto que levou a deixou sem fôlego: ali estava ele, inteirinho, o seu pacote de biscoitos! ‘Se o meu está aqui, então foi do dele que eu comi, e ele nem se importou em dividir’, pensou a mulher. Ela daria tudo para encontrá-lo de novo, pedir-lhe muitas desculpas e, sobretudo, agradecer-lhe a lição.” Enquanto aquele desconhecido, com desprendimento, sem protestar, fraternalmente repartira com ela os biscoitos que eram dele, ela ficara a julgá-lo, indignada, por achar que estava dividindo seus próprios biscoitos com um aproveitador! Sinceramente: quem de nós nunca fez um julgamento injusto sobre outra pessoa, e depois não se viu arrependido, envergonhado, tentando justificar seu erro para si próprio e/ou para alguém?
Será que se aplica a este caso o que Jesus ensinou em Mateus 7.1-2 (NVI): “Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês”? Como conciliar esta exortação do Mestre com o que Ele mesmo ensinou em João 7.24 (NVI): “Não julguem apenas pela aparência, mas façam julgamentos justos”. E o que dizer da admoestação de Paulo aos crentes de Corinto em 1 Coríntios 6.2: “Vocês não sabem que os santos hão de julgar o mundo? Se vocês hão de julgar o mundo, acaso não são capazes de julgar as causas de menor importância?”
Na verdade, em Mateus 7.1-2 Jesus alerta que devemos examinar nossa motivação para julgar, antes fazê-lo, pois está comprovado que frequentemente criticamos nos outros os hábitos de que não gostamos em nós próprios, ou a falta de certas qualidades em nós, como o escritor Honoré de Balzac certa vez registrou: “Estamos habituados a julgar os outros por nós próprios, e se os absolvemos complacentemente dos nossos defeitos, condenamo-los com severidade por não terem as nossas qualidades.” Quando Jesus diz “não julguem”, está se referindo à atitude com que muitas vezes julgamos, visando no fundo prevalecer sobre o outro, e sobre isto no verso 2 admoesta: “pois da mesma forma que julgarem, vocês serão julgados”. Observemos que o Mestre não faz uma condenação indiscriminada a qualquer tipo crítica, mas sim nos orienta para sermos criteriosos, puros, isentos, perguntando-nos sempre se Ele agiria da mesma forma que estamos prestes a proceder. Por isso, quando estivermos a ponto de criticar alguém, verifiquemos se não somos nós os maiores merecedores daquelas críticas, e com amor perdoemos o próximo e, se possível, prestemos-lhe auxílio. E um parâmetro básico para nós é não sermos hipócritas como os fariseus que Jesus condenava, vendo apenas o cisco no olho do outro e não a trave no nosso.
Na psicologia o ato de julgar é uma outra forma de caracterizar a sagacidade, condição própria de todos os que têm a habilidade de avaliar um certo fato, situação ou circunstância. Na realidade todas as pessoas, excetuando as mentalmente incapazes, são dotadas de capacidade de julgar. O problema é que muitas vezes, ao julgar o próximo, o fazemos com uma atitude de arrogância, como se fôssemos superiores, quando na verdade estamos empregando nossa própria imperfeita escala de valores para fazê-lo, e neste ato manifestamos nossas tendências boas ou más, quando deveríamos nos preocupar, antes de mais nada, em avaliar nossas próprias razões e motivações. Por isso, sempre que nos percebermos desgostosos ou irritados com alguém, voltemos o foco de nossas inquietações para nós mesmos, perguntando-nos o que aqueles sentimentos podem revelar a nosso respeito, pois a causa de nossa irritação por certo estará em nós e não no outro, até porque o erro que identificamos nele é relativo, e depende das expectativas que temos a seu respeito, fundadas em nossa escala pessoal de valores. E esquecemos do que Deus nos ensina em Provérbios 24.23 (NVI): “… Agir com parcialidade nos julgamentos não é nada bom.”
Muitos de nós não poderíamos ser considerados julgadores confiáveis, porque é essencial que o bom juiz seja absolutamente imparcial, e nós temos muita dificuldade em sermos suficientemente isentos. E o mais grave é que constantemente prejulgamos os outros, e o dicionário Houaiss define prejulgar como “julgar ou formar opinião com antecipação, por conjectura; decidir antes de ter em mãos todos os elementos necessários para fazê-lo.” Quando prejulgamos alguém, partindo de suposições geralmente preconcebidas e negativas a respeito de suas ações, como se enxergássemos o mundo e as pessoas através de lentes cinzentas, sombrias e ameaçadoras, temos muitas possibilidades de errar, e então ter de corrigir nossas atitudes precipitadas, o que nem sempre é possível, pois geralmente o estrago já está feito e suas repercussões são irreversíveis. Por isso, para podermos emitir um juízo justo, é indispensável o conhecimento amplo e profundo das motivações e circunstâncias que moveram determinada pessoa a ter a atitude que teve, o que nem sempre é possível. Então é melhor calar-se, como Salomão ensina em Provérbios 11.12 (ARA): “O que despreza o próximo é falto de senso, mas o homem prudente, este se cala.”
O poeta Jogon Santos retratou com maestria o prejulgamento quando escreveu:
Quem faz prejulgamento, / E ao próximo só apena / Julga os outros por si mesmo / E sem sentir se condena
Somos todos conscientes / Do alcance de nossos atos / Mas em relação aos outros / Julgamos sem ver os fatos
Nosso ego não permite / Reconhecer quando erramos / É mais fácil impor limite /Aos outros como punição / Mas por fim nós é que somos / Réus em nosso coração.
Continua…
João Buso
11 de março de 2014 at 16:05Reflexão que deveria ocorrer todos os dias em nossas vidas, pois ficamos longe, muito longe do caráter do Senhor Jesus.
Nanny & Winston
13 de março de 2014 at 6:43É verdade, irmão, porém que esta constatação não nos desestimule a prosseguirmos firmes na fé em Cristo, buscando a cada dia nos assemelharmos mais a Ele.