Música Que Faz Transcender – Parte 2
Denomina-se música erudita – e o termo erudito origina-se no latim eruditus, que significa educado ou instruído, de acordo com o Dicionário Grove de Música – a música criada como fruto da erudição, de vasta sapiência proveniente do estudo musical, e não somente do conhecimento folclórico e popular. Música erudita, assim, é aquela produzida e enraizada nas tradições da música secular e litúrgica ocidental – tendo-se iniciado aproximadamente no século IX e chegando até o presente – e que segue princípios pré-estabelecidos ao longo da história musical, cuja codificação ocorreu entre cerca dos anos 1550 e 1900. A expressão música clássica, por vezes é utilizada popularmente para designar a música erudita, de escrita modelar, da mais alta qualidade, mas é também empregada, de forma mais correta, para se referir à música do classicismo, que abrange o final do século XVIII e parte do século XIX.
Durante a Idade Média foi cunhado o termo música sacra para significar a música erudita própria da tradição religiosa judaico-cristã, por vezes sendo usado como sinônimo da música religiosa dos cultos das tradições religiosas. Sua expressão mais antiga é o canto gregoriano, a primeira manifestação musical do ocidente, que remonta aos cantos das antigas sinagogas do tempo de Jesus, e cuja formação se iniciou no século I com os primeiros cristãos, judeus convertidos que costumavam entoar os salmos e cânticos do Antigo Testamento. Mas, à medida que gentios romanos e gregos foram se convertendo ao cristianismo, elementos da música e da sua cultura foram sendo incorporados, enriquecendo a música sacra, que atingiu seu auge nos séculos VII e VIII. No século IX surgiu a polifonia, a música para várias vozes, e iniciou-se o emprego de nomes às notas musicais. A Idade Média, período da história da Europa compreendida entre os séculos V e XV, é também a época dos trovadores, que viajavam fazendo música acompanhados pelo alaúde, e viu surgir, no século XI o uso da pauta, e no final do século XII, a notação musical. Dentre os compositores mais importantes desse período, destacam-se Hildegard von Bingen, Pérotin, Guillaume de Machaut, Francesco Landini, John Dunstable, Guillaume Dufay e Johannes Okeghem entre outros.
O período Renascentista, situado aproximadamente entre fins do século XIV e início do século XVII, viu nascer compositores de relevo como William Byrd, Josquin des Prés, Palestrina, Gabrielli, Cláudio Monteverdi e Tomás Luis de Victoria.
Aproximadamente entre os séculos XVI e XVIII surgiu o período barroco, com compositores cujas peças musicais até hoje são muito apreciadas e executadas por todo o mundo, com destaque especial para Arcangelo Corelli, Alessandro Scarlatti e seu filho Domenico Scarlatti, Antonio Vivaldi, Georg Philip Telemann, Henry Purcell, Georg Friedrich Handel, e aquele que é considerado o maior de todos: Johan Sebastian Bach.
O período Clássico da música erudita ocidental, entre a segunda metade do século XVIII e o início do século XIX, ficou marcado por grandes compositores como Haydn, Mozart e Beethoven em suas primeiras obras.
A era Romântica que se convenciona situar entre 1815 e o início do século XX, é representada por gênios da música como Beethoven em suas obras a partir da Sinfonia Eroica, Schubert, Mendelssohn, Chopin, Schumann, Brahms, Tchaikovsky, Dvorák, Debussy, Rachmaninoff, Mahler, Richard Strauss e outros.
O Modernismo veio em seguida, tendo surgido em meados do século XX, e tem como destaques Alban Berg, George Gershwin, Paul Hindemith, Béla Bártok, Shostakovich, Prokofiev e outros.
Mas, acima de tudo e de todos, paira Johan Sebastian Bach, nascido há 330 anos, e até hoje reconhecido como o maior gênio da música de todos os tempos, que sempre dedicou o que compunha a Deus, colocando frequentemente no início da partitura as iniciais J.J., significando Jesu Juva (Jesus, me ajuda), e sempre ao fim S.D.G., ou seja, Soli Deo Gloria (somente a Deus a glória).
Em uma de suas principais coleções de obras para órgão, Orgelbüchlein, inscreveu no manuscrito essa máxima, que bem reflete o ideal divino de sua música: Dem Höchsten Gott allein zu ehren; Dem Nächsten, draus sich zu blehren (“Só ao Deus altíssimo a glória; ao próximo, para que possa instruir-se com ele”).
Bach procurou deixar claro o desígnio transcendente da música que compunha, dizendo: “O objetivo e finalidade maior de toda música não deveria ser nenhum outro além da glória de Deus e a renovação da alma”, “Onde há devotamento à música, Deus está sempre por perto com sua presença generosa”, e, “A música é uma harmonia agradável pela honra de Deus e os deleites permissíveis da alma”.
Grandes personalidades da história da humanidade e da música reverenciaram Bach, e compositores, estudiosos e críticos de música continuam, ao longo dos séculos, reconhecendo sua genialidade incomparável, como o compositor francês Claude Debussy que, maravilhado, no século passado declarou emocionado: “É tanta a beleza do andante do concerto para violino de Bach que, sinceramente, não sei como é possível conceber tanta beleza”. Albert Schweitzer, teólogo, filósofo, médico e escritor, Prêmio Nobel da Paz em 1952, do alto do internacionalmente reconhecido virtuosismo como intérprete de Bach ao órgão, em seu livro Johann Sebastian Bach, Músico e Poeta, define a obra do mestre alemão desta forma: “A poesia desprende-se de suas harmonias como suave perfume. Poesia musical, eis o resumo da música de Bach”. Pierre Fournier, um dos maiores violoncelistas franceses do século passado, disse certa vez sobre o caráter transcendente da música de Bach: “A admirável síntese do Divino e da Harmonia que reina no coral ‘Eu te pertenço, Senhor’, da Missa em Si Bemol Menor, é um hino que sobe da humanidade até Deus, cria uma espiritualidade que apazigua toda a dor, apaga toda a amargura, e torna mais suave a nossa passagem pela terra, dando-nos a fé em Deus e a crença em nossa felicidade eterna.” Goethe ao ouvir o Prelúdio e Fuga em Lá Menor, BWV 543, exclamou: “Ouvir a música de Bach faz sentir como se a harmonia eterna, de tão infinita beleza, se erguesse até Deus e lhe dissesse: Obrigado, Senhor, pela criação do mundo!”. Beethoven de uma feita comentou: “Bach (regato em alemão) deveria se chamar Meer (mar em alemão) e não Bach!”, e em outro momento afirmou: “Bach é o sublime mestre da harmonia, e sua música chega diretamente ao coração”, acrescentando que “Um herege talvez se convertesse ouvindo Bach”. Johannes Brahms confessou: “se toda a música do mundo se perdesse eu ficaria triste, mas se se perdesse a música de Bach ficaria inconsolável”. Pablo Casals, o maior interprete de Bach ao violoncelo no século XX, pontuou: “Em nenhuma obra de Arte se produziu o milagre de Bach, o momento mais elevado da música de todos os tempos”, e, em outra ocasião, “inicialmente estava Bach…, e então todos os outros”. Outro extraordinário cellista, Paul Tortelier, fez eco, afirmando que “apesar de todo o meu amor por muitos outros compositores, como Beethoven e Mozart, só posso concordar com Casals: Bach os domina a todos!”. Albert Einstein, que além de célebre cientista era também hábil violinista, em entrevista à revista alemã Illustrierten Wochenschrift, a certa altura inquirido sobre a obra de Bach, respondeu: “O que tenho a dizer sobre a obra de Bach? Ouçam-na, toquem-na, amem-na – e calem-se!”. Karl Barth, teólogo reformado suíço que procurava estabelecer relação entre melodia e vida de graça, dizia: “Talvez os anjos, quando têm a intenção de louvar a Deus, tocam a música de Bach”, observava. “Estou certo, ao invés, que, quando se encontram entre si, tocam Mozart, e então o Senhor também encontra particular deleite em ouvi-los”. E é o próprio Wolfgang Amadeus Mozart que reconheceu com humildade: “A música de Bach é algo que é preciso aprender”. Robert Schumann, por outro lado, admitiu mais de 100 anos após a morte de Bach, que “Há somente um compositor de quem poderíamos aprender algo novo: Johann Sebastian Bach!”. Richard Wagner, por sua vez, exclamou: “É impossível descrever a imensa riqueza de sua música, sua natureza sublime e seu valor universal, quando a comparamos com qualquer outra coisa no mundo”. O compositor, pianista, organista e regente alemão Max Reger, classificou-o como “o princípio e o fim de toda a música”. Até o renomado compositor modernista Paul Hindemith confessou que Bach, cujas composições já haviam sido criadas há quase 300 anos antes dele, “… é o expoente do mais alto grau de perfeição a que pode chegar o homem”. Mas Johann Nikolaus Forkel, musicista, musicólogo e teórico alemão, foi quem conseguiu resumir com brilhantismo todos os conceitos emitidos sobre o grande mestre, ao iniciar sua conceituada biografia sobre o genial compositor com a frase: “Johan Sebastian Bach, o músico de Deus”.
(Continua…)
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