ANTES VÍTIMA QUE ALGOZ

Chris Carrier tinha dez anos de idade e voltava da escola para casa em Coral Gables, na Flórida. Era o último dia antes de se iniciarem as férias e ele caminhava feliz quando um homem se aproximou dele em um carro e perguntou se o menino poderia ajudá-lo com a decoração de uma festa que daria para o pai de Chris.

Achando que era um amigo do pai, Chris aceitou o convite sem saber que aquele homem tinha ressentimentos injustificáveis contra a sua família. O homem dirigiu até uma área isolada e passou a golpear Chris no peito com um furador de gelo, levou-o para o meio de uns arbustos, deu um tiro na cabeça do menino e o deixou lá para morrer. Por milagre a bala não atingiu seu cérebro e só seis dias depois, quando recobrou a consciência, Chris, sem ter noção de que havia acontecido, sentou no acostamento da estrada e foi finalmente encontrado por uma pessoa que passava.

Duas semanas depois conseguiu descrever o atacante para o desenhista da polícia e seu tio reconheceu o agressor, que foi preso. Mas Chris, profundamente abalado pelo trauma e pelo estresse que havia passado, não conseguiu identificar o criminoso e a polícia, sem conseguir coletar alguma prova física que o ligasse ao crime, foi obrigada a liberá-lo.

O covarde e monstruoso ataque deixou Chris cego do olho esquerdo, mas milagrosamente sem nenhuma outra sequela, e apoiado pela família e pelos amigos voltou para a escola. Porém passou a viver com extrema ansiedade, acordava de noite assustado, mas quando tinha treze anos uma mudança radical aconteceu: durante um estudo bíblico com um grupo de jovens da igreja, percebeu que a providência e o amor de Deus, – tendo-o mantido miraculosamente vivo, – era a base para a sua segurança na vida, e que nas mãos do Senhor poderia viver sem medo ou rancor.

Anos depois diplomou-se em teologia, casou-se e é pai de duas meninas. Vinte e dois anos depois da terrível agressão que havia sofrido, a polícia certo dia informou-lhe que encontrara o criminoso que, então com setenta e sete anos de idade, confessara o delito, e que cego por causa de glaucoma, com a saúde abalada, sem família ou amigos, vivia em um asilo.

Naquele momento Chris decidiu visitá-lo, e lá chegando o homem desculpou-se pelo que feito, então Chris disse-lhe que o havia perdoado, passando então a visitá-lo com frequência levando consigo sua esposa e filhas para tentar passar-lhe esperança e uma certa sensação de família nos dias que antecediam à sua morte. Ele sempre se mostrava feliz com as visitas e Chris acredita que a amizade surgida entre eles tenha diminuído a solidão daquele homem, tornando-se um grande alívio para ele após os vinte e dois anos vividos com a culpa e o arrependimento a corroer sua alma.

Chris diz que o mundo pode vê-lo como vítima de uma horrível tragédia, mas que ele se considera “vítima” de muitos milagres, e que o fato de estar vivo, sem nenhuma deficiência mental e ter uma família linda, atestam como foi abençoado por Deus. Muitas pessoas não conseguem entender como Chris conseguiu perdoar aquele homem, mas ele acha que não poderia deixar de fazê-lo porque, se tivesse optado por odiá-lo e buscado vingança todos aqueles anos, não seria o que hoje é – o homem que sua família ama e, acima de tudo – que Deus ama, sendo um exemplo vivo de que se deve ser antes vítima que algoz.

E é o próprio Senhor Jesus que na conhecida passagem de Lucas 6.27-36 registra de forma inequívoca a forma de proceder que é esperada de nós cristãos, que é sempre, em toda e qualquer circunstância, usar não o amor humano, mas sim o amor sobrenatural que vem do alto, a poderosa arma secreta do arsenal de Deus que deve ser a nossa regra áurea de conduta nos diferenciando profundamente do mundo e nos fazendo mais assemelhados a Cristo: “Digo-vos, porém, a vós outros que me ouvis: amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam; bendizei aos que vos maldizem, orai pelos que vos caluniam. Ao que te bate numa face, oferece-lhe também a outra; e, ao que tirar a tua capa, deixa-o levar também a túnica; dá a todo o que te pede; e, se alguém levar o que é teu, não entres em demanda. Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles. Se amais os que vos amam, qual é a vossa recompensa? Porque até os pecadores amam aos que os amam. Se fizerdes o bem aos que vos fazem o bem, qual é a vossa recompensa? Até os pecadores fazem isso. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, qual é a vossa recompensa? Também os pecadores emprestam aos pecadores, para receberem outro tanto. Amai, porém, os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem esperar nenhuma paga; será grande o vosso galardão, e sereis filhos do Altíssimo. Pois ele é benigno até para com os ingratos e maus. Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai”.

Mas para assim agirmos invariavelmente, precisamos ser antes de tudo mais obedientes Deus, mais humildes e mais fraternos, tratando os inimigos como a maioria das pessoas trata os amigos; mantendo relações com os que são pouco agradáveis como se fossem atraentes e simpáticos; sendo inalteráveis na forma mansa e suave de agir, e não importam as circunstâncias, mantendo as mesmas atitudes afetuosas, tolerantes e compreensivas; tudo sofrendo pela paz e pela concórdia; regozijando-se sempre com a verdade, a paz e a justiça, e nunca se deixando contagiar pela maldade; agindo com graça em todas as eventualidades, tudo suportando pela força do Espírito Santo que é a causa de nos tornarmos invencíveis na luta contra o mal.

Um amor como esse, partindo de alguém que é atacado inocentemente, de quem é vítima, é insuperável. E isto porque o mundo, o algoz, está habituado a agredir aquele que resiste, que faz retaliação, o que reage segundo o princípio do “olho por olho”, mas não  sabe como proceder com a pessoa que retribui a agressão, a provocação, o ataque vil, a intimidação, com uma atitude de mansidão, bondade, calma e tolerância. Não é à toa, portanto, que Jesus ensinou em Mateus 5.5 que são “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”.

O verdadeiro amor, quando for por nós praticado, nunca permitirá que nos recusemos a ajudar alguém em caso de genuína necessidade, e na hipótese de tenhamos sido privados injustamente de algo de nossa propriedade, cabe-nos entregar nosso caso a Deus, que é fiel e justo para promover o que é correto e honesto, sempre fazendo prevalecer a Sua perfeita e soberana vontade. Mais uma vez, mesmo sendo vítimas, preferimos suportar com resignação nossa dor a sermos atormentadores do próximo, como Paulo em 1 Coríntios 6.7 admoesta: “O só existir entre vós demandas já é completa derrota para vós outros. Por que não sofreis, antes, a injustiça? Por que não sofreis, antes, o dano?”

Só os cristãos podem obedecer a este mandamento, porque somente a graça de Cristo pode capacitar-nos a experimentar uma benevolência invencível para com todos os nossos semelhantes, não importam as circunstâncias; somente quando Cristo vive em nosso coração desaparece o ressentimento e predomina o amor. Lembremos que Deus é amoroso tanto para com aquele que é fiel a Ele quanto para com quem entristece o Seu coração, abraçando amorosamente tanto o santo quanto o pecador, e que só se O imitarmos, procurando com complacência o melhor para os nossos inimigos, seremos verdadeiros filhos Seus, como Jesus ensinou no Sermão do Monte, em Mateus 5.44-45: “Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos”. E observemos que Jesus também ordena que oremos por nossos inimigos, pois esta é a forma mais eficiente e segura para eliminarmos qualquer ressentimento por quem nos sentirmos tentados a odiar.

A atitude amorosa que Deus tão maravilhosamente exemplifica em tudo o que faz, é o objeto do louvor de Paulo em 1 Coríntios 13.4-7, quando afirma: “O amor é paciente, é benigno; o amor não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não procura os seus interesses, não se exaspera, não se ressente do mal; não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

E é o apóstolo Pedro que em sua primeira carta ressalta a prática do bem, da mansidão e da tranquilidade de atitudes se desejamos agradar a Deus, dizendo em 1.25: “Porque assim é a vontade de Deus, que, pela prática do bem, façais emudecer a ignorância dos insensatos…”; em 3.4: “… seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus”; em 3.17: “… porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal”; e em 4.14: “Se, pelo nome de Cristo, sois injuriados, bem-aventurados sois, porque sobre vós repousa o Espírito da glória e de Deus”.

Paulo em Romanos 12.17-21, nos incentiva a que sejamos antes vítimas que algozes determinando: “Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira; porque está escrito: A mim me pertence a vingança; eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem”.

Esta passagem condensa o cerne da vida cristã, por isso, se amarmos alguém da mesma forma como Cristo nos ama, estaremos sempre dispostos a perdoar, fazendo isso vezes sem conta, sem cessar. Além disso, lembremos que temos sido abençoados pela graça de Deus, – o Seu maravilhoso favor que não merecemos, – e devemos almejar que outros também desfrutem deste privilégio. Por isso, quando acudimos a um inimigo, não estamos implicitamente desculpando seus enganos ou aprovando seus erros, mas sim perdoando-o e amando-o apesar de suas faltas, da mesma forma como Cristo age conosco.

Vivemos no mundo dias em que reivindicar direitos e cobrar justiça tornou-se regra geral, por isso o mandado de Paulo parece quase impossível de ser cumprido: fomos agredidos duramente, injustamente e ao invés de reagir à altura, devemos perdoar? Atentemos, contudo, que por trás dessa ordem aparentemente estranha, existe uma realidade de poderosas consequências que podem ser desencadeadas por nossa atitude pacificadora de agir antes como vítima que como algoz: nosso perdão pode interromper um nefasto ciclo de retaliações que afetariam ambas as partes e conduzir a uma reconciliação; pode tocar o coração do nosso adversário, convencendo-o do seu erro e então talvez ele decida se arrepender, mudando de conduta; e devemos perdoá-lo por uma questão de bom senso, libertando-nos de qualquer peso de amargura que nos atingiria caso nosso inimigo não se arrependesse, então agindo como Pedro em sua primeira carta, no capítulo 3, versos 8-9 ensina que sejamos, “… compadecidos, fraternalmente amigos, misericordiosos, humildes, não pagando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo, pois para isto mesmo fostes chamados, a fim de receberdes bênção por herança”.

Pai de amor, graça e misericórdia, ajuda-nos, dai-nos força e capacita-nos a nos conduzirmos pela vida na terra de acordo com o que Teu Amado Filho, em Mateus 6.14-15, de forma maravilhosa nos orienta na oração que nos ensinou: “… se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará…”. Sim, Pai, desejamos antes ser vítimas que algozes, pois não gostaríamos de carregar sobre nossos ombros o fardo insuportável do julgamento que não temos nem competência nem isenção para realizar, do revide que nos apequena tornando-nos iguais a quem nos faz o mal, e do ódio que destrói o corpo, a alma e o espírito. Assim rogamos-Te com profunda gratidão, no nome santo e precioso de Jesus. Amém.