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Reflexões Sobre a Existência Humana – O Estado Intermediário
Com certeza em algum momento de nossas vidas todos nós nos perguntamos para onde iremos após a morte física, afinal trata-se de uma preocupação existencial inata a todo ser humano.
Na teologia o período que transcorre entre a morte e a ressurreição é chamado de estado intermediário, e as Escrituras deixam evidente que os mortos nela permanecem conscientes, tanto os justos quanto os ímpios (Lucas 16.22-25; 23.43; 2 Coríntios 5.8; Filipenses 1.23; Apocalipse 6.9-11; 14.13).
No estado intermediário a alma não possui corpo, embora este estado seja de regozijo consciente dos justos, mas de sofrimento consciente dos ímpios, e em Sua segunda vinda, Cristo ressuscitará toda a raça humana: o crente, para a vida, mas o descrente para juízo, como lemos em João 5.25,26-29 “Em verdade, em verdade vos digo que vem a hora e já chegou, em que os mortos ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que a ouvirem viverão. Não vos maravilheis disto, porque vem a hora em que todos os que se acham nos túmulos ouvirão a sua voz e sairão: os que tiverem feito o bem, para a ressurreição da vida; e os que tiverem praticado o mal, para a ressurreição do juízo”. Há ainda muitas interrogações com respeito ao estado intermediário, entretanto o raciocínio, a fé e as Escrituras não deixam dúvidas quanto à ressurreição e à sobrevivência da alma após a morte.
Louis Berkhof, em sua respeitada obra “Teologia Sistemática”, escreveu:“Tem-se levantado a questão sobre se, após a morte, a alma continua ativamente consciente e é capaz de ação racional e religiosa. Por vezes isso tem sido negado, sobre a base geral de que a alma, em sua atividade consciente, depende do cérebro e, portanto, não pode continuar a funcionar quando o cérebro é destruído. Mas, como já foi assinalado anteriormente (Capitulo III.D da Teologia Sistemática deste mesmo autor), a validade desse argumento pode ser posta em dúvida. ‘Ele se baseia’, para usar as palavras de Dahle, ‘no erro de confundir o operário com a sua máquina’. Do fato de que a consciência humana, na presente vida, transmite os seus efeitos pelo cérebro, não se segue necessariamente que não possa agir de nenhum outro modo. Ao argumentarmos a favor da existência consciente da alma depois da morte, não nos apoiamos nos fenômenos do espiritismo dos dias atuais, e nem mesmo dependemos de argumentos filosóficos, embora estes não sejam destituídos de força. Buscamos nossas provas na Palavra de Deus, e particularmente no Novo Testamento. O rico e Lázaro participam de uma conversação em Lucas 16.19-31. Paulo descreve o estado desencarnado como ‘habitar com o Senhor’, e como uma coisa preferível à vida presente em 2 Coríntios 5.6-9; Filipenses 1.23. Decerto que dificilmente ele falaria dessa maneira acerca de uma existência inconsciente, que seria uma virtual não-existência. Em Hebreus 12.23 se diz que os crentes têm chegado ‘aos espíritos dos justos aperfeiçoados’, o que certamente implica em sua existência consciente. Além disso, os espíritos debaixo do altar clamam por vingança contra os perseguidores da Igreja em Apocalipse 6.9, e se afirma que as almas dos mártires reinam com Cristo em Apocalipse 20.4.”
Nos tempos de Agostinho de Hipona – séculos IV e V de nossa era – os teólogos cristãos consideravam que, entre a morte e a ressurreição as almas dos homens, ou desfrutavam de um repouso, ou sofriam, enquanto aguardavam, ou pela complementação de sua salvação, ou pela consumação de sua condenação, e na Idade Média esta posição continuou a ser ensinada, quando então surgiu a doutrina do purgatório.
No entanto, os Reformadores rejeitaram esta doutrina por ser antibíblica, mas continuaram a defender a existência de um estado intermediário, e Calvino tendia a considerar esse estado como de uma permanência consciente. Em sua obra “Psychopannychia” – uma resposta aos anabatistas de seu tempo, que ensinavam que as almas simplesmente dormiam entre a morte e a ressurreição – Calvino ensinou que, para os crentes, o estado intermediário é tanto de bênção como de expectação – e por causa disso a benção é provisória e incompleta. Desde aquele tempo então, a doutrina do estado intermediário tem sido ensinada pelos teólogos reformados, e se reflete nas Confissões da Reforma. E, mais que isto, a posição das igrejas reformadas é de que as almas dos crentes, imediatamente após a morte, ingressam na glória dos céus.
O Antigo Testamento diz que a existência humana não finda com a morte, mas que após morrer, o homem continua a existir no reino dos mortos, geralmente denominado Sheol ou Seol – no hebraico do Velho Testamento, e Hades no grego do Novo Testamento; ainda no Antigo Testamento começa a haver a convicção de que o destino do ímpio e do justo, após a morte, não é o mesmo, e que o ímpio permanecerá sob o poder do Sheol, enquanto que o justo finalmente será liberto deste domínio.
Enquanto que a morte é a condição do corpo sem a alma e o espírito, Sheol ou Hades é a condição da alma e do espírito sem o corpo. A maioria dos estudiosos da Bíblia acredita que Hades é uma condição, ao invés de um lugar de almas e de espíritos que partiram, e simplesmente significa “o mundo do invisível”, uma condição temporária de pessoas que deixaram o corpo, num período entre a morte e a ressurreição – o estado intermediário ou de separação – uma vez que a morte separou a alma e o espírito do corpo.
Sheol e Hades são igualmente termos usados para designar a morte, seja de justos ou de injustos, de salvos ou de perdidos, e assim se refere tanto a Jesus Cristo em Atos 2.27, 31, 13.35 e aos santos em 1 Coríntios 15.55, quanto aos perdidos em Lucas 16.23. Embora pessoas neste estado fora do corpo estejam plenamente conscientes, com suas memórias e emoções intactas – como fica comprovado em Lucas 16.23-25 – não têm conhecimento do que está acontecendo neste mundo, uma vez que estão em outro, como lemos em 1 Samuel 28.15-19, quando Samuel teve de ser informado por Saul da situação de Israel naquele momento. Em Jó 14.21 fica patente o desconhecimento das coisas do mundo por aqueles que morrem, e em Eclesiastes 9.5, Salomão diz que “… os mortos não sabem coisa nenhuma…”, não significando entretanto que não têm consciência ou que não existam, pois o contexto da afirmativa remete em Eclesiastes 1.3, às coisas “… debaixo do sol”.
No Novo Testamento, em Lucas 16.25-26, na parábola o Rico e Lázaro, Jesus também ensina que há uma divisão no Hades entre justos e injustos, um grande abismo que impede que alguém possa passar de um lado para o outro, pois os primeiros estão no paraíso, enquanto os outros estão em prisão, quando Abraão afirma ao homem rico: “Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que recebeste os teus bens em tua vida, e Lázaro igualmente, os males; agora, porém, aqui, ele está consolado; tu, em tormentos. E, além de tudo, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que querem passar daqui para vós outros não podem, nem os de lá passar para nós. Em resumo, a morte conduz o corpo para a sepultura e a alma mais o espírito para o Hades, ou para o paraíso – no caso dos justos – ou para a prisão – no que se refere aos injustos.
Portanto os crentes, os justos, no Hades estão no paraíso, como lemos em Lucas 23.42-43 quando Jesus na cruz ouve o pedido do ladrão que creu nEle: “… Jesus, lembra-te de mim quando vieres no teu reino. Jesus lhe respondeu: Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso”. Também na declaração de Paulo em 2 Coríntios 12.1-4, e em Apocalipse 2.7, há referências explícitas sobre o paraíso como lugar onde reina a felicidade. Em contraposição, os descrentes, os injustos, no Hades estarão em prisão – como o apóstolo ensina em 1 Pedro 3.19-20 – aguardando a sentença final irrevogável do grande trono branco de Apocalipse 20.11-15, sofrendo tormentos indizíveis, como relatado em Isaías 57.20-21 e Lucas 16.22-24: “Aconteceu morrer o mendigo e ser levado pelos anjos para o seio de Abraão; morreu também o rico e foi sepultado. No inferno, estando em tormentos, levantou os olhos e viu ao longe a Abraão e Lázaro no seu seio. Então, clamando, disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim! E manda a Lázaro que molhe em água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nesta chama”.
É fora de dúvida que muitas das incertezas a respeito do estado intermediário e do destino eterno das pessoas que partiram, só nos serão satisfatoriamente respondidas quando estivermos na vida eterna. No entanto, precisamos lembrar que a Bíblia não foi escrita simplesmente para satisfazer a curiosidade humana, mas sim para nos permitir conhecer a Cristo, que é o único capaz de trazer saciedade a nossos corações e a nossas mentes.
Paulo ensina em 2 Timóteo 1.10 que Deus nos deu o Evangelho para revelar coisas que dizem respeito à alma e à incorruptibilidade do corpo: “… nosso Salvador Cristo Jesus, o qual não só destruiu a morte, como trouxe à luz a vida e a imortalidade, mediante o evangelho…”, e deseja que tenhamos, como afirma em Hebreus 6.11, “… completa certeza da esperança” , porque, “se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”, como Paulo pondera em 1 Coríntios 15.19.
Senhor Deus Todo-Poderoso, não queremos ousar conhecer Teu plano para nós além do que Tu permites, mas se for de Tua vontade, Pai, concede-nos a graça de – com base na Tua Palavra – descortinarmos aquilo que tens preparado para nós após a nossa morte. Não nos move nenhum sentido especulativo, pois confiamos inteiramente em Ti, e só queremos Te adorar em espírito e em verdade, mas temos a esperança de que este conhecimento possa vir a tranquilizar mentes e corações ansiosos e inseguros de muitos quanto ao futuro que os aguarda. Em nome de Cristo Jesus oramos agradecidos. Amém.
(Continua na próxima semana com o tema Reflexões Sobre a Existência Humana: A Ressurreição).
16 de novembro de 2024
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