REFLEXÕES SOBRE O MAL (2)

,

REFLEXÕES SOBRE O MAL (2)

Escura madrugada e repentinamente o pequeno barco de pesca é colhido em alto-mar por uma terrível tempestade, que após algumas horas de batalha desigual, acaba por colocá-lo a pique. Seus três ocupantes lançados à água gelada e turbulenta, tentam desesperadamente manter-se à tona agarrados como podiam aos destroços, mas quando o dia nasceu, apenas um deles continuava vivo na praia deserta para onde o mar o levara. Ele dera em uma ilhota desabitada, onde exausto, ferido e com frio chegou e, tão rápido quanto lhe permitia seu corpo alquebrado, vai à cata de galhos e pedaços de árvores, buscando fazer uma fogueira para aquecer-se e construir, com os pedaços maiores, um tosco abrigo.

 

Inerme, deixa-se ficar naquele lugar, desolado fitando o horizonte à espera de algum sinal de vida humana, mas nada acontecia além dos voos rasantes das gaivotas em busca de alimento. E ele naturalmente tinha que buscar seu próprio alimento, e por isso embrenhava-se todos os dias na mata. Numa destas vezes, ao voltar encontra seu abrigo em chamas – causadas pelo fogo que esquecera de apagar ao sair – e desesperado grita, com os punhos cerrados, fitando o alto: “Deus, por que tudo isto está acontecendo comigo? Por que o Senhor permite tanta desgraça na minha vida? Parece que o Senhor me trouxe aqui para que eu morra nesta ilha miseravelmente só!” E deitado em posição fetal na areia da praia, chorando convulsivamente, finalmente adormece de exaustão e tristeza.

 

Repentinamente ele é acordado do seu sono agitado por uma voz suave que lhe diz: “Bom dia, vamos para casa?” Abre os olhos com dificuldade, e protegendo-os da luz do sol da manhã com a mão aberta, vê um homem vestindo um uniforme que reconheceu como da marinha, e balbucia emocionado: “Meu Deus… estou salvo! Mas como me encontraram? O sorriso do outro era de alegria e satisfação, quando respondeu: “Navegávamos a várias milhas daqui, mas o dia era claro, e pudemos ver seu sinal de fumaça, que nos guiou até você!”

 

Muitas vezes, aquilo que a nós parece ser um terrível mal, é apenas o início que Deus está dando a um plano Seu para nos beneficiar. Deus permite que o mal exista, mas as Suas criaturas – nós – é quem somos responsáveis por torná-lo real, e um exemplo disto é a capacidade que temos de sentir dor física, inestimável para nos alertar sobre algum perigo para a integridade de nosso corpo. O mesmo acontece com a dor moral que nos assola por vezes, acordando-nos para que nos voltemos para o Criador, como C. S. Lewis certa vez disse: “A dor é o megafone de Deus para advertir o mundo moralmente surdo”.

 

A Palavra de Deus afirma em 1 João 4.8 que “… Deus é amor “por isso tudo o que Ele faz é por amor, mas o homem muitas vezes não retribui a esse amor, o que entristece sobremaneira ao Criador, que em Isaías 66.3,4, a respeito daqueles que fazem a Ele ofertas meramente ritualistas sem transformação interior e que por isso são abomináveis aos Seus olhos, diz “… estes escolheram os seus próprios caminhos, e a sua alma se deleita nas suas abominações. (…)  mas fizeram o que era mau perante mim e escolheram aquilo em que eu não tinha prazer”.

 

O mal moral, portanto, é o pecado, ou seja, tudo aquilo que o homem faz em oposição a um Deus de amor e à Sua Palavra, como o evangelista escreveu em 1 João 3.4:  “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a Lei: porque o pecado é a transgressão da Lei”. E à pergunta, “Por que um Deus de amor criou um mundo permeado pelo mal, onde o homem tem toda a liberdade para cometer tanta maldade?”, Ele responde com o amor que é a Sua própria natureza, e o Seu desejo de verdadeiro amor para com a Sua criação, expresso pelo apóstolo em 1 João 3.18: “Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade.” 

 

 Ora, como seria possível ao homem exercitar o amar de verdade, se não houvesse o desamor como contraponto e referência?  Imagine uma situação em que alguém poderia – por razões as mais diversas – não amar a Deus, mas ao contrário escolhe amá-Lo: não seria esta uma condição de verdadeiro amor a Ele? Em um mundo de homens imperfeitos, Deus, em Sua onisciência, sabia que haveria muitas escolhas erradas, e a escolha de não amar é a raiz de muitos e grandes males. Mas Ele permite que haja a escolha de amar verdadeiramente, e este potencial humano para o amor supera em muito a existência temporária do mal, que só perdurará até a volta de Cristo. Assim sendo, o mal atende ao propósito de Deus de que se estabeleçam verdadeiras relações de amor entre Ele e a Sua criação, quando esta faz a Sua vontade.

 

No entanto, é preciso que tenhamos sempre em mente que nunca poderemos compreender ou explicar completamente os desígnios insondáveis de Deus. Seria uma tola e irreal pretensão nossa, como Ele próprio nos alerta em Isaías 55.8-9: “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos”. 

 

Na vida somos obrigados a suportar males que não merecemos, mas que Deus permite que soframos. Talvez neste exato momento estejamos passando por alguma provação injusta, imerecida, mas necessária para o nosso crescimento espiritual. Nada nos acontece que não tenha sido permitido por Deus, que tem o pleno controle e o direito soberano de autorizar que males que não merecemos venham sobre nós, como aconteceu com Jó, um homem que através dos tempos é conhecido como exemplo de perseverança heroica. Quantas pessoas acometidas por doenças graves, por perdas terríveis de entes queridos, por insolvências em negócios, têm encontrado em Jó o consolo e as forças para prosseguir?

 

Eugene Peterson, na Bíblia A Mensagem (The Message), faz a seguinte paráfrase de Jó 1.20-22, no episódio posterior ao recebimento das notícias da tragédia que sobre ele se abatera: “Jó levantou-se, rasgou o seu manto, rapou a cabeça e depois caiu no chão e adorou: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei ao ventre da terra. Deus dá. Deus toma. Bendito seja o nome de Deus. Em tudo isto Jó não pecou; não culpou nenhuma vez a Deus.” E como se não bastassem suas catástrofes pessoais, ainda se viu achacado por aqueles que considerava como amigos. Mas destas provações surgiu um Jó renovado, com uma fé ainda mais poderosa, exemplo notável para incontáveis gerações posteriores.

 

Senhor, Tu és o nosso Deus de infinita bondade, de amor incomensurável, que tudo faz segundo o conselho da Tua vontade soberana, perfeita, justa e inerrante. Sabemos também que tudo coopera para o bem dos que Te amam, e por isso em tudo devemos dar graças, mesmo que as tempestades se abatam sobre nós e que não consigamos enxergar o caminho sob os nossos pés. Porém estamos confiados em Ti, nas Tuas promessas e no Teu amor, por Cristo Jesus nosso Senhor, em nome de quem oramos com profunda gratidão. Amém.

Share
Nenhum comentário

Publicar um comentário