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A UNIDADE

É inegável que a Igreja de Cristo atravessa não apenas na atualidade, mas já há muito tempo em todo o mundo, uma situação de grande falta de unidade que vem se acentuando, como se pode claramente perceber na passagem que está em 1 Coríntios 1: 10-13, onde já naquela época o apóstolo Paulo exortava a Igreja de Corinto a se posicionar contra as divisões que estavam ocorrendo: “Rogo-vos, irmãos, pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma coisa e que não haja entre vós divisões; antes, sejais inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer. Pois a vosso respeito, meus irmãos, fui informado, pelos da casa de Cloe, de que há contendas entre vós. Refiro-me ao fato de cada um de vós dizer: Eu sou de Paulo, e eu, de Apolo, e eu, de Cefas, e eu, de Cristo. Acaso, Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado em favor de vós ou fostes, porventura, batizados em nome de Paulo?”

 

Esta constatação levou John W. Stott a assim comentar: “Tudo indica que Paulo considerou esta notícia (a da divisão na igreja de Corinto) extremamente dolorosa. Ele sabia o suficiente acerca das realidades da vida da igreja para não se surpreender. Mas, ao mesmo tempo, ficou profundamente ressentido. Isso se verifica pela dupla ocorrência da palavra irmãos, nos versículos 10 e 11”.

 

É interessante ver que o mesmo sentimento de Paulo ao saber das divisões em Corinto, é também expresso na oração do Nosso Senhor Jesus pedindo ao Pai que não permitisse esta divisão entre nós, os crentes contemporâneos, como podemos constatar em João 17:20-21: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste”.

 

Parece não haver dúvida de que, ao contrário de considerarmos “normais” as divisões entre os crentes em Cristo, nosso sentimento deveria ser de perplexidade, desconforto e dor. Conquanto a unidade seja realmente difícil, pois envolve, antes de tudo a humildade de admitirmos que podemos estar errados, ela deve ser sempre prioridade para a Igreja, pois como se não bastasse ser esta a vontade expressa de Deus, é uma condição obviamente essencial para o avanço do evangelho.

 

Um dos estudiosos que mais influenciou o debate sobre o tema da unidade da Igreja, foi Watchman Nee, com seu livro “A Igreja Normal”, e o Espírito Santo tem inquietado a muitos para que, como profetas, levantem suas vozes em santo clamor sobre esta questão tão crucial. Hoje não são poucos os que crêem que esta é a vontade de Deus, que o Senhor um dia irá novamente reunir o Seu povo, e cada vez são mais numerosos os que creem que João 17 e Efésios 4 terão cumprimento antes da vinda do Senhor, ao mesmo tempo em que as barreiras denominacionais estão se mostrando não tão rígidas como anos atrás. Os pastores de uma mesma localidade frequentemente se reúnem, se buscam, sentem necessidade uns dos outros, se apreciam, e os irmãos querem estar juntos. Só o Espírito Santo pode fazer isso.

 

A forte ênfase do livro de Nee é que em cada localidade não deveria haver mais do que uma igreja, pois segundo ele, o pensar em duas ou mais igrejas em uma localidade é totalmente anti-bíblico. Mas um dos problemas que enfrentamos como seres humanos é que, quando nos acostumamos com o anormal, o normal é que nos parece anormal.

 

Nos tempos dos primeiros apóstolos e pais da igreja, a totalidade dos crentes que viviam em uma cidade formavam a única igreja daquele lugar. Não havia naqueles dias duas ou mais igrejas coexistindo simultaneamente em uma mesma localidade, aliás, não há nenhum relato bíblico que se refira à pluralidade de igrejas em uma mesma comunidade.

 

A divisão na igreja de Cristo é a evidência de uma igreja carnal, e é o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 3.1-3 quem denuncia esta questão: “Eu, porém, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, e sim como a carnais, como a crianças em Cristo. Leite vos dei a beber, não vos dei alimento sólido; porque ainda não podíeis suportá-lo. Nem ainda agora podeis, porque ainda sois carnais. Porquanto, havendo entre vós ciúmes e contendas, não é assim que sois carnais e andais segundo o homem?” Portanto, a igreja de Corinto tinha inúmeros dons em operosidade, tinha fama de espiritual, de carismática, mas estes irmãos são identificados por Paulo como crianças espirituais e crentes carnais, impossibilitados de alimento sólido.

 

Em Atos dos Apóstolos 2.42-47 vemos a igreja cristã iniciante cheia da presença do Espírito, evidenciando às pessoas o amor de Deus, a comunhão, a alegria, a singeleza de coração, mas acima de tudo a unidade de propósito e de serviço: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. Em cada alma havia temor; e muitos prodígios e sinais eram feitos por intermédio dos apóstolos. Todos os que creram estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade. Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e contando com a simpatia de todo o povo. Enquanto isso, acrescentava-lhes o Senhor, dia a dia, os que iam sendo salvos”. Quando as divisões impedem a existência desse ambiente, fica evidente a carnalidade da igreja.

 

Outra importante realidade que precisa ser enfatizada é que a divisão se torna empecilho para o desenvolvimento da obra de Deus. A divisão é uma realidade negativa, enquanto a diversidade de serviços e funções é tremendamente positiva na obra. Os crentes de Corinto estavam contendendo pelos líderes pelos quais mais se agradavam. Quem seria o melhor? Quem fez a igreja crescer mais? Paulo, Apolo, Cefas? A carnalidade daqueles irmãos fazia aflorar o sentimento partidarista e impedia que eles vissem a obra como um todo, e Paulo, Apolo e Cefas como co-participantes desta obra. Paulo em 1Corintios 3.6-8 aponta este posicionamento distorcido questinando: “Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. De modo que nem o que planta é alguma cousa, nem o que rega, mas Deus que dá o crescimento. Ora, o que planta e o que rega são um”.

 

O Senhor Jesus, quando acusado pelos religiosos de seus dias de “expulsar os demônios pelo poder do maioral dos demônios”, afirmou: Todo reino dividido contra si mesmo ficará deserto e casa sobre casa cairá”. Contudo, se a divisão é um empecilho que atrapalha o desenvolvimento e o progresso do Evangelho, a diversidade neste aspecto é positiva. Paulo mesmo afirma: “Eu plantei, Apolo regou”. A obra é uma só. Contudo, as diversas maneiras de realizá-la tornam-na mais abrangente quando, por exemplo, um planta, outro rega, um terceiro colhe.

 

E para Paulo isto estava bem claro no exemplo de 1 Coríntios 12.12,25 quando pondera: “Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, constituem um só corpo, assim também com respeito a Cristo…para que não haja divisão no corpo; pelo contrário, cooperem os membros, com igual cuidado, em favor uns dos outros”.

 

Contudo, o maior prejuízo provocado pela divisão da igreja, está ligado aos relacionamentos entre os irmãos em Cristo. O sentimento partidarista promove rupturas relacionais motivadas por inimizades. Como é possível estarem duas pessoas ligadas ao mesmo Deus e serem inimigas? O profeta, em Amós 3.3 escreveu: “Andarão dois juntos se não houver entre eles acordo?”. Como é possível duas pessoas afirmarem viver no amor de Deus e se odiarem? O apóstolo orienta em 1 João 4.20: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê”. Como é possível duas pessoas louvarem a Deus, cantarem ao seu santo nome, se estão em desacordo? A igreja precisa resgatar a sua identidade de comunidade unida, de um grupo de pessoas que, irmanadas na cruz de Cristo, trabalham, se motivam mutuamente e se doam ao próximo.

 

Alguns podem até questionar: mas até que ponto são relevantes os princípios do Novo Testamento para a Igreja do tempo presente? Afinal, todos estes séculos de história têm trazido grandes mudanças! Pode o mesmo princípio de unidade, aplicado às minúsculas congregações espalhadas pelo Império Romano ser considerado válido para a nossa atual estrutura de Igrejas que se espalham pela terra? Quando os cristãos primitivos falavam de união e divisões, eles se referiam a relações entre indivíduos ou a pequenos grupos dentro da mesma igreja. Hoje temos de considerar grandes e distintas famílias de Igrejas, chamadas confissões ou comunhões, coisa jamais conhecida ou antecipada no Novo Testamento.

 

No entanto, de acordo com a Bíblia, a Igreja existe apenas em dois níveis: há uma Igreja universal na terra e no céu, e uma congregação local que é ponto focal da Igreja. Fora disto não deveriam existir comunhões ou denominações como nós as conhecemos hoje. Um religioso recentemente citou as seguintes palavras de Efésios 5.25: “Cristo amou a Igreja e a si mesmo se entregou por ela”, e observou: “Cristo não amou os anglicanos, ou os ortodoxos, ou os batistas, ele amou a Igreja”. Assim sendo, nenhuma denominação pode batizar uma pessoa para si mesma, mas unicamente para Cristo.

 

Mas é preciso fazer distinção clara entre “diversidade” ou “diferença” por um lado, e “divisão” por outro. As divisões entre as Igrejas é fato que deve ser deplorado, mas a diversidade e a diferença entre as Igrejas é sinal de saúde e força. Muitos cometem o erro de deplorar as “diferenças” entre as Igrejas, como se tivesse o mesmo significado que divisão.

 

É dever da Igreja na terra proclamar o Evangelho, mas o Evangelho não é meramente promessa da salvação de pessoas individualmente, mas trata da reconciliação dessas pessoas com as outras na comunidade dos fiéis. Pela morte e ressurreição de Jesus Cristo essas pessoas foram reconciliadas umas com as outras. Esta é precisamente a mensagem que os não-cristãos dos nossos dias precisam ouvir e crer: que Deus em Cristo venceu as inimizades e hostilidades entre os homens. Ou seja, a Igreja  anuncia a reconciliação em Cristo, mas os não-cristãos, vendo quão pouca evidência há de reconciliação entre os próprios cristãos, ficam confusos e descrentes.

 

Dizer que a Igreja deve ser uma e una, de modo que o mundo possa crer, é convocar todos a voltarem à fonte da Igreja que está em Cristo e quando permitimos ao Cristo vivo realizar o seu trabalho expiatório em nós – rompendo as nossas divisões e unindo-nos uns aos outros – recebemos novo poder para sair e ir ao mundo convidar todos os homens e compartilhar a salvação que é para todos.

 

Senhor Amado Pai, nós Te louvamos, bendizemos e adoramos, e desejamos fazê-lo em conformidade com a Tua vontade de que haja união entre os Teus servos, que nada nem ninguém possa obstaculizar nossa união conTigo e uns com os outros, para que em Cristo sejamos um, fazendo nossas as palavras de Paulo em Efésios 4.13-16: “Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro. Mas, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, de quem todo o corpo, bem ajustado e consolidado pelo auxílio de toda junta, segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor”. Amém.

 

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