CARISMAS
Uma revista feminina certo dia propôs-se avaliar o carisma de suas leitoras, perguntando “E você, tem carisma?” Para isto elaborou extenso questionário que buscava identificar se tinham autoconfiança, entusiasmo, iniciativa, opiniões próprias, energia, determinação, raciocínio rápido, senso de humor, desembaraço e independência; se costumavam receber bem, sorrir sempre, manter o tom educado e nunca gritar, evitar fofocas e comentários maldosos, cultivar um ambiente harmonioso à sua volta, tratar bem tanto os humildes quanto os poderosos, controlar explosões de raiva e de mágoa, evitar fazer cenas de ciúme e inveja, responder telefonemas, cartas e e-mails, cuidar bem do físico e do espírito, demonstrar interesse pelas pessoas, ter um aperto de mão firme, falar olhando nos olhos, ouvir mais do que falar, transmitir sinceridade, falar com clareza e evitar pedantismo, saber argumentar e convencer, elogiar mais do que criticar, ter postura física natural e descontraída, ser notada mesmo num grupo de pessoas de destaque, ter destacada a sua simplicidade; se os outros lhes pediam conselhos, salientavam sua prestimosidade, a convidavam para eventos e festas, ofereciam colaboração e parceria, referiam-se à sua inteligência e competência, acatavam suas decisões, pediam que assumisse a liderança, comentavam que gostariam de ser como elas e, finalmente, se manifestavam respeito e admiração por elas.
Ufa! Talvez chegando ao fim do questionário a leitora descubra que não possui carisma segundo os padrões da revista, mas por certo será merecedora de elogios pela sua perseverança! Embora muitas destas atitudes listadas sejam desejáveis, e outras certamente devam ser cultivadas no relacionamento interpessoal, o objetivo final de possuí-las pode ser incompleto e enganoso, meramente levando a uma condição de polidez, boa educação, gentileza, elegância de maneiras, de forma superficial, interesseira, falsa, frívola e fútil porque de fachada, caracterizando o carisma secular, que está ligado ao modo da pessoa ser e agir socialmente. Este carisma é um termo amplamente utilizado para definir a influência e a fascinação que algumas pessoas exercem – geralmente “personalidades” famosas do cinema, TV, showbiz, esportes, moda, política – sobre seus fãs, correligionários, seguidores, eleitores e admiradores.
O carisma profano é como uma tênue camada de verniz que, passada sobre um – por vezes – tosco pedaço de madeira, melhora sua aparência exterior e pode lhe dar certa utilidade para as coisas seculares, dificilmente, porém, para as de Deus. É como um “polimento” cuja aquisição depende da vontade e da ação do próprio homem. Certo político famoso em época recente – e que sofria de asma – certa vez após ter sido considerado “carismático” por uma eleitora, comentou em off com seus assessores – rindo em tom de falsa blague – que não era carismático, apenas um “cara asmático.” Na verdade o mundo está cheio de “caras asmáticos” que se acham carismáticos, e nem mesmo para os padrões mundanos o são, que dirá para os elevados padrões divinos.
Enquanto isto, o verdadeiro carisma – que é o empregado na linguagem bíblica – vem do grego khárisma, e significa graça, favor, benefício, e através do latim charisma, tem o sentido de dom da graça divina. Provém exclusivamente de Deus e independe totalmente da vontade humana, que nada pode fazer para alcançá-lo. Este é o carisma que, usado pelo nosso Criador para a transformação do próximo, contribui para a Sua obra divina e vai muito além das meras questões comportamentais – sem, contudo, prescindir destas – meta com a qual Paulo acenou em Efésios 4.13-14: “Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro e levados ao redor por todo vento de doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro”.
Os carismas são graças conferidas por Deus a alguns crentes para que O sirvam, e como exemplo podemos ver Paulo citando-os em Romanos 12.5-8, onde a profecia, o ministério, o ensino, a exortação, a contribuição, a direção de uma congregação cristã, o exercício da misericórdia são carismas, porque “… conquanto muitos, somos um só corpo em Cristo e membros uns dos outros, tendo, porém, diferentes dons segundo a graça que nos foi dada: se profecia, seja segundo a proporção da fé; se ministério, dediquemo-nos ao ministério; ou o que ensina esmere-se no fazê-lo; ou o que exorta faça-o com dedicação; o que contribui, com liberalidade; o que preside, com diligência; quem exerce misericórdia, com alegria”.
Em 1 Coríntios 1.4-7, Paulo demonstra que vários carismas eram encontrados entre os coríntios, louvando: “Sempre dou graças a meu Deus a vosso respeito, a propósito da sua graça, que vos foi dada em Cristo Jesus; porque, em tudo, fostes enriquecidos nele, em toda a palavra e em todo o conhecimento; assim como o testemunho de Cristo tem sido confirmado em vós, de maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a revelação de nosso Senhor Jesus Cristo…”.
Na passagem que está em 1 Coríntios 7.7, Paulo afirma que “Quero que todos os homens sejam tais como também eu sou; no entanto, cada um tem de Deus o seu próprio dom; um, na verdade, de um modo; outro, de outro”, referindo-se à castidade que lhe fora concedida.
Em 1 Pedro 4.9-11, vemos que a hospitalidade, o serviço cristão e o falar numa igreja segundo os oráculos de Deus, são igualmente carismas. Há alguns carismas mais espetaculares do que outros, mas todos procedem do Espírito de Deus e são, portanto, sobrenaturais, divinos, e o apóstolo então aconselha: “Sede, mutuamente, hospitaleiros, sem murmuração. Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém!”.
Quando Deus nos chama para uma função no Corpo de Cristo – após nos ter concedido algum carisma que nos habilita – precisamos desempenhá-la em plena sintonia com a sua vontade. Para sermos úteis, devemos ter dedicação máxima ao posto para o qual fomos convocados, pois os resultados obtidos testemunharão do nosso amor por Ele, falando de nosso empenho e eficiência, como na parábola dos talentos em Mateus 25.15: “A um deu cinco talentos, a outro, dois e a outro, um, a cada um segundo a sua própria capacidade; e, então, partiu.”
Cristo não convocou servos para a ociosidade, pois tudo o que temos proveio dEle para que trabalhemos para Ele e precisamos ter consciência de que nada temos que possamos chamar de nosso, exceto o pecado, e os carismas nos são concedidos exclusivamente para o proveito do reino de Deus e para a glória de Deus.
Mas, atenção: o dia de prestação de contas chegará para todos nós, quando seremos examinados quanto ao uso daquilo que recebemos, seja para Deus, para o próximo, seja para o nosso próprio crescimento espiritual. Isto não significa que o que possamos ter conseguido provenha exclusivamente de nossa capacidade, ou que nos possa representar algum mérito. É liberdade e privilégio do cristão verdadeiro ser empregado como servo de seu Redentor, fomentando a Sua glória e o bem de Seu povo, pois o amor de Cristo nos constrange a não vivermos mais para nós próprios, senão para Aquele que morreu e ressuscitou por nós!
Amado Deus Trino, Pai, Filho e Espírito Santo, maravilhoso provedor de todas as graças, ensina-nos a bem usar os carismas com os quais Tu nos dotaste, nunca nos deixando esquecer que eles nos foram concedidos exclusivamente para a exaltação da Tua honra e da Tua glória. Então rogamos que o nosso amor aumente cada vez mais em conhecimento e em toda a percepção, para discernirmos o que Tu aprovas, a fim de sermos puros e irrepreensíveis até o dia de Cristo, em nome de quem assim oramos com profunda gratidão. Amém.
6 de julho de 2024
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