DEFEITOS E VIRTUDES
Talvez julgar os outros seja um dos hábitos mais arraigados e automatizados do ser humano. Quando nos sentimos ameaçados, confrontados, contrariados ou atacados pelos outros, por suas atitudes, palavras ou ações, nossa reação é sempre julgar, seja mentalmente – que é o mais comum – seja verbalmente. E trata-se também de um hábito contagioso, que muita vez se alastra como fogo em palha seca: se alguém começa a criticar determinada pessoa ausente, na presença de outros – configurando-se então como conduta de murmuração e/ou intriga – e se o desagrado pelo comportamento da pessoa alvo da crítica for mais ou menos consensual, as críticas também o serão, tendendo a um feroz e covarde linchamento moral que exclui a possibilidade de defesa da vítima. Para algumas pessoas, especialmente quando estão com colegas, amigos ou conhecidos, criticar acaba sendo uma espécie de vício, de mau hábito que usam indiscriminadamente, brandindo palavras acusatórias como um severo juiz empunha seu martelo para impor um veredito.
Alguém disse certa vez: “Não julgue, não critique, não reclame; se você tem o hábito de julgar, criticar e reclamar, não precisa se preocupar em um dia ir para o inferno: você já está nele!” Realmente, a pessoa que vive em um estado de permanente patrulhamento sobre o que os outros fazem, dizem ou de alguma forma manifestam, tem uma vivência muito difícil, sem paz, estressante e conturbada, porque normalmente aquilo que nos incomoda nos outros é aquilo de que não apreciamos em nós mesmos, por isso Jesus ensinou em Mateus 7.1: “Não julgueis, para que não sejais julgados”, acrescentando a seguir, no verso 2, a grave implicação de o fazermos: “Pois, com o critério com que julgardes, sereis julgados; e, com a medida com que tiverdes medido, vos medirão também”.
E o pior de tudo é que, quando apontamos o dedo indicador acusando alguém, estamos fazendo o jogo do inimigo de nossas almas, porque o foco de nossa ação crítica passa a ser o defeito do outro, a atitude do outro, o comportamento do outro, e não, como Jesus ensinou, o perdão ao outro, a paciência com o outro, a tolerância para com o outro. Mas afinal… quem somos nós para julgar impiedosamente alguém? Por acaso desconhecemos o que a Palavra de Deus em Tiago 4.12 ensina, arguindo: “Um só é Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer; tu, porém, quem és, que julgas o próximo?” E quem nos constituiu juízes sobre nossos irmãos, e desta forma, como o meio-irmão de Jesus acusa em Tiago 2.4: “… não vos tornastes juízes tomados de perversos pensamentos?”.
Por que temos a tendência de nos fixar com tanta convicção na necessidade que os outros têm de mudar suas atitudes que nos desagradam – que são semelhantes àquelas que nós mesmos manifestamos – quando deveríamos prioritariamente mudar as nossas próprias? Por isso Jesus, nos versos 3 e 4 da mesma passagem nos ensina que – quando nos sentirmos tentados a criticar alguém – primeiramente devemos nos examinar para obtermos a certeza de que nós mesmos não merecemos crítica até mais severa, questionando: “Por que vês tu o argueiro no olho de teu irmão, porém não reparas na trave que está no teu próprio? Ou como dirás a teu irmão: Deixa-me tirar o argueiro do teu olho, quando tens a trave no teu?” E então Ele nos exorta duramente no verso 5: “Hipócrita! Tira primeiro a trave do teu olho e, então, verás claramente para tirar o argueiro do olho de teu irmão”.
No entanto é preciso atentarmos cuidadosamente para a ordem de Jesus para não julgar, pois ela não é indiscriminada. Ele visava em especial aquelas pessoas que, às vezes de forma obsessiva, buscam falhas nas outras, procurando com isso altear-se acima das demais, para isso diminuindo-as por causa de seus supostos defeitos. Então em João 7.24, Jesus esclarece a questão, colocando-a sob um enfoque complementar, ao dizer: “Não julgueis segundo a aparência, e sim pela reta justiça”.
Ao proferir esta ordem, o Senhor sabia que frequentemente fazemos julgamentos pessoais sem conhecer a totalidade dos fatos envolvidos, das circunstâncias abrangidas, e deixamo-nos levar pela aparência física da pessoa, pelas opiniões alheias, por preconceitos e por uma infinidade de outras questões que distorcem qualquer juízo imparcial.
Deus nos ama como somos, porém Seu amor por nós é tão grande que Ele não deseja que continuemos como estamos. Então precisamos mudar esse mau hábito, que frequentemente vimos cultivando por anos a fio. Como fazê-lo? Muitas vezes não é tarefa fácil, mas a única forma de conseguir é orar rogando ao Senhor por ajuda para trocá-lo por outro. E por qual hábito substituir? Pelo salutar costume, ensinado por Jesus, de sempre em primeiro lugar procedermos a uma avaliação de nós mesmos e de nossas motivações, e então perdoarmos o nosso próximo e, se possível, procurarmos ajudá-lo em suas dificuldades.
Por isso esta determinação divina conduz diretamente à única forma de julgamento que nos é facultada: aquela que é expressa em amor e bondade, que visa construir, auxiliar, dirigir, e jamais destruir, prejudicar ou produzir algum tipo de mal, e que sempre é feita em estrita obediência ao que a Palavra de Deus preceitua.
Paulo, em 1 Tessalonicenses 5.21, traz luz sobre mais um aspecto essencial desse tema, ao ensinar a seus discípulos: “…julgai todas as coisas, retende o que é bom…”. Observemos que aqui o apóstolo não se refere a pessoas, e sim a coisas, mostrando-nos que é preciso ter o discernimento necessário para avaliar situações, pesar alternativas para a solução de determinado problema, e até para examinar acuradamente o ensino da Palavra que nos é proposto, como faziam acertadamente os crentes de Bereia. Só então poderemos decidir – sempre auscultando a vontade do Senhor – sobre o julgamento a ser feito e sobre a eventual decisão a tomar.
Mas, e se formos ainda um pouco além, procurando enxergar no outro as virtudes que por certo tem – porque todos as têm – e não apenas os defeitos? Afinal, todos nós fomos criados por Deus à Sua imagem e semelhança, portanto nesta imagem residem virtudes do Criador, ainda que entre Ele e nós exista uma distância infinita que jamais poderá ser completamente vencida. E é em primeiro lugar na alma que portamos a imagem divina, em suas três faculdades: entendimento, vontade e poder ativo; em segundo lugar, Deus nos fez para que fôssemos na terra Seus representantes, dominando e cuidando responsavelmente de Sua excelsa Criação, porém em especial expressando Sua imagem em nós ao governarmo-nos a nós próprios por meio da liberdade da nossa vontade; por fim, Sua imagem revela-se em nós através de Sua pureza e retidão, no conhecimento, na justiça e na verdadeira santidade de que desfrutávamos no início. Nossos primeiros pais eram santos, felizes e abençoados, pois traziam em si próprios a imagem perfeita do Deus Santo, e esta honra que portavam nos diz que não há nenhum sentido em, por exemplo, falarmos mal uns dos outros, como Tiago 3.9,10 reprova e alerta ao falar sobre os perigos da língua humana: “Com ela, bendizemos ao Senhor e Pai; também, com ela, amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus. De uma só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos, não é conveniente que estas coisas sejam assim”.
É lamentável constatar como a imagem de Deus sobre nós encontra-se terrivelmente deformada, e é com pesar que somos obrigados a admitir que muito pouco resta dela! Apesar de tudo, porém, devemos confiar no Senhor, que, por Sua graça santificadora, por certo a renovará sobre nossas almas!
Senhor Amado, ajuda-nos a recuperar em nós a Tua imagem e semelhança, perdida por conta de nossas atitudes iníquas, pecaminosas e infiéis. Não queremos, ó Pai, continuar como somos, vivemos contrariados por conta de nossas falhas recorrentes, mas sabemos que Tens um propósito em tudo o que enfrentamos na vida. Estamos também certos de que, por Tua graça e misericórdia, estás adequando-nos ao caráter de Cristo, porque desejas que transbordemos com o fruto do Espírito e nos tornemos um belo reflexo do Salvador. Obrigado, Pai! Ansiamos pelo dia em que nos sintamos renovados em Ti, e Te louvamos e agradecemos no nome de Jesus que está acima de todo nome. Amém.
19 de outubro de 2024
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