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JESUS, O CRISTÃO E A POLÍTICA

Se Jesus não fosse quem era, o Filho de Deus enviado com a missão divina de implantar o Reino de Deus na Terra e, ao contrário, fosse simplesmente humano, dotado de ambições carnais, preocupado consigo próprio e com a instalação de um reino pessoal, poderia ter tirado partido das diversas oportunidades que teve de fazer proselitismo político às multidões que O seguiam.

 

Uma delas, citada nos quatro evangelhos – Mateus 14.14-21, Marcos 6.34-44, Lucas 9.12-17 e João 6.5-13 – foi quando se reuniram 5.000 homens, além de mulheres e crianças para ouvir o Mestre, ao final sendo os beneficiários do primeiro milagre de multiplicação de pães e peixes que realizou. E João nos conta no verso 14 (NVI) que “Depois de ver o sinal miraculoso que Jesus tinha realizado, o povo começou a dizer: ‘Sem dúvida este é o Profeta que devia vir ao mundo’.”

 

De outra feita Jesus é aclamado com o título de soberano de Israel pelo povo, como está registrado em João 12.12-15 (NVI), quando “… a grande multidão (…) ouviu falar que Jesus estava chegando a Jerusalém. Pegaram ramos de palmeiras e saíram ao seu encontro, gritando: ‘Hosana! Bendito é o que vem em nome do Senhor! Bendito é o Rei de Israel!’”, cumprindo a profecia de Zacarias 9.9 (NVI), que dizia: “Alegre-se muito, cidade de Sião! Exulte, Jerusalém! Eis que o seu rei vem a você, justo e vitorioso, humilde…”. Que líder humano resistiria a tal apelo popular?

 

Mas a ótica sob a qual os judeus viam Sua vinda era totalmente contrastante com os reais objetivos pelos quais o Pai O havia enviado: enquanto eles ansiavam por um rei com o projeto político de restaurar  a antiga glória de Israel e libertá-los do jugo romano, Deus tinha o plano incomensuravelmente maior e mais elevado de salvar o Seu povo, num primeiro momento, para depois salvar toda a humanidade das garras de satanás, concedendo a Vida Eterna àqueles que aceitassem a Jesus Cristo. O Senhor jamais teria concebido o Seu Reino como um reino mundano, como Ele próprio afirmou a Pilatos em João 18.36 (NTLH): “… O meu Reino não é deste mundo! Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus seguidores lutariam para não deixar que eu fosse entregue aos líderes judeus…”.

 

Após Seu batismo no Jordão, Jesus foi conduzido ao deserto “… para ser tentado pelo diabo…”, como relata Mateus 4.1 (ARA). Ali Jesus recebeu três propostas que visavam induzi-Lo a pecar, assim desqualificando-O como nosso Redentor. A terceira delas, aos olhos de alguém que ambicionasse o poder secular, como é o caso, por exemplo, dos políticos de todos os tempos, seria irrecusável, como podemos constatar nos versos 8-9: “Levou-o ainda o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles e lhe disse: Tudo isto te darei se, prostrado, me adorares”. Bastaria simplesmente que Ele se ajoelhasse aos pés de satanás, o dono do mundo, e o adorasse, para receber de presente todas as nações da terra com as suas grandezas, tornando-se dessa forma o mais poderoso governante mundial de todos os tempos! Mas o Senhor repeliu o maligno.

 

A fama de Jesus e de Seu poder corria por toda a região da Galileia, e muitos ansiavam por um rei poderoso, assim viram nEle um forte candidato ao cargo, mas João 6.15 (ARA) mostra claramente qual foi a Sua reação: “Sabendo, pois, Jesus que estavam para vir com o intuito de arrebatá-lo para o proclamarem rei, retirou-se novamente, sozinho, para o monte”. Poderia ter havido de recusa mais explícita e direta à vontade popular de envolvê-Lo na política?

 

Em outra ocasião, na passagem de Mateus 22.15-22 (NVI), provocado por líderes fariseus e saduceus que pretendiam apanhá-lo em alguma contradição para conseguir levá-Lo à morte, usando para isso a questão do pagamento de tributos ao Imperador Romano, Jesus pronunciou as tão conhecidas palavras: “… deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. É claro que não se pode, a partir de Sua afirmativa, deduzir que existam coisas que situam-se apenas no âmbito do poder de César, enquanto outras dizem respeito somente a Deus. O que o Mestre asseverou é que Deus constituiu autoridades a quem devemos obediência civil, respeito e o pagamento de impostos, porém somente a Deus estamos obrigados à obediência absoluta, incondicional e irrestrita, pois Ele é o Senhor de tudo o que existe, e aquilo que é de César, antes de mais nada, pertence a Ele. Dessa maneira, nova tentativa de forçá-Lo a tomar uma posição política também fracassou.

 

Apesar dessas recusas reiteradas de assumir uma atitude política, Jesus era muito sensível aos problemas sociais que via, como a injustiça, a pobreza e a corrupção, e isso fica claro em Marcos 6.33-34 (ARA): “Muitos, porém, os viram partir e, reconhecendo-os, correram para lá, a pé, de todas as cidades, e chegaram antes deles. Ao desembarcar, viu Jesus uma grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não têm pastor. E passou a ensinar-lhes muitas coisas”. No entanto, recusou-se a encetar, por exemplo, uma ação para eliminar as desigualdades do mundo, porque sabia que só a implantação do Reino de Deus, que Ele iniciava, poderá um dia curar todos os males humanos. A despeito disto, os ensinamentos que trouxe, ao serem seguidos pela comunidade cristã, têm imprimido indelével marca sociopolítica no mundo ocidental, oferecendo boas novas aos pobres, esperança aos desvalidos, liberdade aos oprimidos e vida abundante àqueles que creem nEle.

 

O teólogo e escritor Dallas Willard ressalta em seu livro “A Conspiração Divina” que Jesus, pela Sua suprema sabedoria, nunca estabelecia normas ou regras, mas sim princípios que fizeram com que Seus ensinamentos se tornassem eternamente válidos, não importa a época em que sejam conhecidos e utilizados. Um destes princípios é o de que temos dupla cidadania, a da terra e a do céu. À cidadania terrena no país em que vivemos, devemos tudo aquilo que um governo correto, bem intencionado e eficiente deve proporcionar: adequados serviços públicos, saúde, educação, segurança, previdência social, emprego, serviços sociais, liberdade de culto. Por isso temos o dever de pagar a nossa parte a César pelo que recebemos. Mas como cristãos, somos também cidadãos do céu e, como tal, responsáveis por questões espirituais, religiosas, de consciência, de princípios e de conduta perante o Governante Supremo do Universo, o nosso Deus Trino.

 

Idealmente as duas cidadanias devem coexistir em harmonia, porém caso haja algum conflito entre o que pretende a autoridade terreal e o que estabelece a Autoridade Divina sobre determinado assunto, se formos forçados a escolher à qual delas tributar obediência – embora Jesus não indique o limite existente entre ambas as autoridades – não podemos jamais hesitar em optar pela vontade de Deus, como Pedro afirmou categoricamente em Atos 5.29 (ARA): “… Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens”. Por isso, cabe à nossa consciência – purificada pela oração e dirigida pelo Espírito Santo – decidir.

 

No entanto, há um princípio que não pode nunca deixar de ser obedecido: devemos ser ao mesmo tempo bons cidadãos do país em que vivemos, cumprindo nossas obrigações para com os homens, e bons cidadãos do Reino de Deus, sujeitando-nos àquilo que o Senhor determinou para nós em Sua Palavra perfeita. Assim estaremos obedecendo ao que 1 Pedro 2.17 (ARA) ensina com sabedoria sobre o dever cristão: “Tratai todos com honra, amai os irmãos, temei a Deus, honrai o rei”.

 

Tratar todos com honra significa lembrar da dignidade e respeito que merece cada ser humano, que deve ser tratado como nosso próximo e não como coisa ou número; amar os irmãos é manifestar, dentro da comunidade cristã, o cálido amor que deve permear a atmosfera reinante na igreja, como uma extensão da família de Deus; temer a Deus, ou seja, manifestar um respeito reverente por Ele, nos remete a Provérbios 1.7 (ARA), onde o sábio Salomão afirma que “O temor do SENHOR é o princípio do saber…”, e quiçá seja efetivamente o próprio âmago da sabedoria; honrar o rei pode até nos causar perplexidade, porque o soberano na época de Pedro era Nero, mas Paulo, em Romanos 13.1 (ARA) nos ensina que “… não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas”, e assim devem ser respeitadas, mesmo que se tratem de indivíduos como o malfadado e cruel imperador, porque não podemos escrutinar os propósitos de Deus, como Ele mesmo afirma em Isaías 55.8 (ARA): “Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR…”.

 

Em 2 Coríntios 6.14 (ARA), Paulo faz uma proibição que se estende a questões de relacionamentos conjugais, eclesiásticos, comerciais e interpessoais, portanto abrangendo também a participação do crente na política partidária: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos; porquanto que sociedade pode haver entre a justiça e a iniquidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas?”. Na política partidária não existe pureza, condição essencial da vida cristã. O ex-presidente francês Charles de Gaulle dizia que “Como nenhum político acredita no que diz, fica sempre surpreso ao ver que os outros acreditam nele”. Já o escritor Eça de Queiroz lembrava que “Políticos e fraldas devem ser trocados de tempos em tempos pelo mesmo motivo”. Sucesso na política envolve necessariamente compromissos espúrios, alianças abjetas e interesseiras, exaltação pessoal, mentiras, corrupção, e isso mostra o perigo que representa o envolvimento individual, mas também das igrejas, na política. Em algumas delas pode ser observado que ideias e conceitos seculares tendem a influir de tal forma nos valores cristãos que quase não se distingue os que se autodenominam crentes dos não crentes, pois se percebe pouca ou nenhuma diferença entre o profano e o sagrado.

 

Entretanto, Deus por certo não espera que aqueles que são Seus deixem de participar do processo político, pois isso poderia significar algo como “deixar o galinheiro sob os cuidados das raposas” ou, como dizia Platão, “O castigo dos bons que não fazem política é ser governados pelos maus”. Jesus nos disse em Mateus 5.13-14 (NVI), “Vocês são o sal da terra. (…) Vocês são a luz do mundo”, e isso implica em participação no mundo. Se assim não o fizéssemos estaríamos simplesmente entregando àqueles que não apoiam e até desdenham os valores cristãos, todo o controle político, dando-lhes carta branca para prosseguir em seus desmandos e corrupções. Por isso, como cristãos, temos alguns deveres de cidadania política: o primeiro é orar por aqueles que governam; o segundo é votar conscientemente, mesmo que o façamos pelo mal menor, sempre cobrando ações das autoridades eleitas; o terceiro é informar-se e educar-se sobre as questões que afetam a comunidade, firmando posição sobre o bem comum; por fim, candidatar-se a cargos e postos públicos que não envolvam política partidária ou campanha eleitoral. Esse cuidado é essencial, pois a política partidária, além de criar associações com os incrédulos, o que Deus condena – e eles são sempre a maioria nestes organismos – tende a provocar divisões indesejáveis no meio cristão, por conta do inevitável partidarismo decorrente. Pelos mesmos motivos, a Igreja de Cristo não pode identificar-se com um determinado partido ou sistema político que aparentemente produziria benefícios à organização eclesiástica, mas que por fim a arrastaria pelos desvãos da promiscuidade com compromissos e práticas seculares condenados por Deus. Basta, sobre isso, lembrarmos o que sucedeu no século IV de nossa era com a nascente igreja cristã, gerando males que repercutem há mais de dois milênios.

 

É preciso lembrar que a política é apenas um dos meios que Deus utiliza para realizar a Sua Vontade perfeita e soberana, embora muitos se aproveitem do poder político para atingir seus fins iníquos. Mas, fiquemos tranquilos e confiantes: Deus detém o controle de tudo e sempre usa até a política para o bem, nunca para o mal, pois, como Paulo assevera em Romanos 8.28 (NVI), “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito”.

 

Pai amado, rogamos que Tu estejas nos guiando em nossa peregrinação pelos caminhos do mundo a cada passo que dermos, não permitindo que nos desviemos nem para a direita, nem para a esquerda, mas permaneçamos sempre firmes no caminho reto, na direção do alvo que é Cristo. Que Teu Santo Espírito a todo o tempo esteja nos ajudando a discernir o certo do errado, o bem do mal, o que é Teu do que é do diabo, para que possamos pautar nossas atitudes e decisões de acordo com a Tua vontade. É assim que oramos contritos, no nome de Jesus, que está acima de todo nome. Amém.

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