MANSIDÃO
Ser manso é um atributo inalienável de todo verdadeiro crente, e o homem natural não consegue compreender a surpreendente afirmativa de Jesus em Mateus 5.5, quando anuncia que “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”, porque vai contra tudo o que pensa o mundo, que nos vê como seres estranhos e não consegue entender-nos. Parece-lhes absurdo imaginar que os mansos prevalecerão sobre todos, pois veem somente os fortes, os poderosos, os autoconfiantes, os orgulhosos, os agressivos, os bem-sucedidos nas disputas humanas como os autênticos merecedores de dominar a terra.
Como deve ser o indivíduo manso? Algumas personagens do Antigo Testamento foram modelos de mansidão, como Abraão, que no episódio relatado em Gênesis 13.8-11 agiu com tanta brandura e condescendência para com o seu sobrinho Ló, permitindo que o mais jovem escolhesse a terra com a qual desejava ficar, sem alegar o privilégio de idade ou de posição familiar, sem queixa, sem argumentação, sem murmuração de qualquer tipo.
Diz a Bíblia em Números 12.3, que “Era o varão Moisés mui manso, mais do que todos os homens que havia sobre a terra”. Ele era modesto, não se achava minimamente capacitado para a missão para a qual Deus lhe chamara, não impunha a sua vontade aos outros e muitas vezes rebaixava-se e humilhava-se sem pestanejar. Davi, principalmente em sua relação com Saul, embora ciente de que seria o próximo rei, suportou com extrema mansidão todas as agressões, perseguições e injustiças praticadas contra ele, chegando até a poupar a vida de Saul quando teve a oportunidade de matá-lo e então ver-se-ia livre da cruel e insana caça que se fazia injustamente conta si.
No Novo Testamento encontramos Estêvão como outro exemplo marcante de mansidão, reconhecido entre os discípulos de Jesus em Atos 6.5 como “homem cheio de fé e do Espírito Santo”, que apesar de ser cruel, injusta e mortalmente atacado, agiu sempre com notável serenidade e doçura frente a seus algozes. Paulo, ao longo de seu ministério, padeceu nas mãos das igrejas que plantou, debaixo dos ataques de seus conterrâneos, mas quando vemos as cartas que escreveu, identificamos o quão manso era. Mas nenhum exemplo de mansidão é maior que o de Jesus, que exprime de forma tão sublime Sua irretocável mansidão em Mateus 11.29, quando convida a todos os Seus: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma”. Malgrado todas as perseguições, as atitudes de menosprezo e desrespeito, além das violências físicas que sofreu, Isaías 53.7, oitocentos anos antes já profetizara com fidelidade divina: “Ele foi oprimido e humilhado, mas não abriu a boca; como cordeiro foi levado ao matadouro; e, como ovelha muda perante os seus tosquiadores, ele não abriu a boca”. Jesus viveu como homem, humilhou-Se a Si próprio, tornou-Se servo e por fim voluntariamente sujeitou-Se à terrível, crudelíssima morte na cruz para salvar pessoas tão sem merecimento como nós que só faríamos jus à condenação eterna.
Mansidão não é uma condição natural, é uma característica distintiva fundamental produzida pelo Espírito Santo em cada um dos filhos de Deus. Mas é preciso não confundi-la com a apatia que caracteriza algumas pessoas, ou com a fraqueza e a complacência de outras, ou até mesmo com a gentileza e fácil trato que é marcante em certos indivíduos, porque estas são condições meramente biológicas.
A verdadeira mansidão convive em harmonia com o domínio próprio, com a autoridade, com o poder, com a força de caráter e, principalmente com a semelhança a Cristo, por isso o homem manso é um defensor inabalável da verdade, chegando até a morrer por ela caso seja preciso. Os mártires do cristianismo eram mansos, porém jamais fracos, muito menos covardes, porque eram detentores de uma condição íntima essencial do verdadeiro cristão: o amor insuperável, irremovível, incomparável a Cristo.
D. Martyn Lloyd-Jones em seu renomado livro Estudos no Sermão do Monte afirma que “A mansidão é, essencialmente, um autêntico ponto de vista que o indivíduo forma de si mesmo, o que é então expresso como uma atitude e uma conduta em relação ao próximo. Por conseguinte, consiste em duas coisas. Trata-se da minha atitude para comigo mesmo; mas também é uma expressão desse fato em meu relacionamento com outras pessoas. Percebe-se, pois, quão inevitavelmente a mansidão deriva-se das qualidades de “humildade de espírito” e de “lamentação”. Ninguém é capaz de ser manso, a menos que também seja humilde de espírito. E ninguém pode ser manso, a menos que também seja humilde de espírito. E ninguém pode ser manso exceto se já se viu como um vil pecador. (…) O indivíduo manso não se orgulha de si mesmo; não se vangloria a seu próprio respeito sob hipótese alguma. Pois sente que em si mesmo coisa alguma existe de que possa gabar-se. E também deve-se entender que ele não faz valer o seu direito. (…) o indivíduo que é manso não exige coisa alguma para si mesmo. Não considera todos os seus legítimos direitos como algo a ser exigido. (…) Cristo não asseverou o Seu direito de igualdade com Deus; deliberadamente Ele não o fez. E você e eu temos que chegar a este ponto. (…) Ser verdadeiramente manso significa que não mais ficamos a proteger-nos, porquanto já teremos compreendido que nada existe a ser defendido. Por essa razão, não vivemos na defensiva; tudo isso ficou relegado ao passado. (…) Em outras palavras, ser manso significa que o indivíduo se anulou completamente, como se não tivesse direitos e nem merecimentos seja no que for. Tal indivíduo já percebeu que ninguém poderá causar-lhe qualquer dano. (…) O indivíduo que é verdadeiramente manso é aquele que se admira de que Deus e os homens possam pensar dele tão bem quanto pensam, tratando-o tão bem quanto o tratam. Isso, ao que me parece, é a qualidade essencial do indivíduo que é manso”.
Assim, é necessário – em especial se estamos sofrendo injustamente – que tudo entreguemos nas mãos de Deus: os nossos direitos, o nosso futuro, a nossa causa, a nós próprios, numa atitude de absoluta fé e plena paz interior. Então podemos concluir que o manso vive em perfeita e perene harmonia com Deus, consigo próprio e com o seu semelhante, o que nos garante que todas as coisas nos pertencem como herdeiros da terra, e sobre isso o Senhor nos afiança em Lucas 14.11: “Pois todo o que se exalta será humilhado; e o que se humilha será exaltado”.
E somente o Espírito Santo pode transformar alguém rixoso, intolerante, prepotente, grosseiro, reativo, soberbo, orgulhoso, em uma pessoa mansa, humilde, dócil e gentil, porque trata-se de uma questão de caráter, de um fruto do espírito, e esta constatação nos constrange a controlar o nosso próprio ego exigente e insatisfeito que é a razão de todas as nossas dificuldades, pois só assim o Santo Espírito de Deus poderá preencher-nos completamente.
Então, como Isaías 29.19 afirma, “Os mansos terão regozijo sobre regozijo no Senhor”, numa promessa de que, se formos pacientes e contritos, humildes e dóceis, nossa alegria no Senhor será cada vez maior, apesar de nossas dificuldades, lutas e sofrimentos, mas Pedro em sua primeira epístola, capítulo 3, verso 4 exorta que “… seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus”.
E finalmente o Senhor Jesus em Mateus 11.29 nos persuade: “Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma”. Que promessa maravilhosa! Isto significa que devemos nos submeter completamente à Sua vontade soberana, entregando-lhe o controle completo da nossa vida, reconhecendo o Seu abençoado senhorio sobre nós e ensinando-nos a buscar ser mais assemelhados a Ele, pois, enquanto os falsos mestres são arrogantes e prepotentes, Ele é manso e humilde, e então, e só então, encontraremos repouso para nossos corações sobrecarregados e fatigados.
Um passo fundamental, decisivo, indispensável para nos tornarmos mansos é aprender a controlar o nosso temperamento. Como o homem natural habita dentro de nós e como vivemos em um mundo carregado de pressões, contrariedades e desencantos, o controle do nosso temperamento pode se tornar um dos grandes desafios da vida. Como reagimos quando alguém não faz o que desejamos e no momento que queremos? E quando discordam de nossas ideias, mesmo que estejamos absolutamente convictos de que elas são a solução do problema em pauta? E qual é a nossa reação quando alguém nos ofende, critica nossos esforços ou é simplesmente rude por estar de mau humor? Nesses momentos e em outras situações difíceis, precisamos aprender a controlar o nosso temperamento e expressar nossos sentimentos com paciência, respeito e mansidão, obedecendo ao que Paulo em Gálatas 5.23, conclui o rol daquilo que é o fruto do Espírito: “… mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não há lei”. E atendendo à exortação de Pedro, em sua segunda carta, capítulo primeiro, versos 5-7, sobre a prática progressiva das graças divinas que trarão como resultado o desenvolvimento da nossa fé cristã: “… reunindo toda a vossa diligência, associai com a vossa fé a virtude; com a virtude, o conhecimento; com o conhecimento, o domínio próprio; com o domínio próprio, a perseverança; com a perseverança, a piedade; com a piedade, a fraternidade; com a fraternidade, o amor”.
Grandioso Pai Eterno de graça e misericórdia, ajuda-nos a ser mansos como o Teu Filho Amado. Apara toda aresta da nossa personalidade que impeça que nos assemelhemos mais a Ele, transforma-nos por meio de Teu maravilhoso Santo Espírito em servos bons e fieis que cooperem na Tua obra inefável manifestando permanentes amor e graça para com o nosso próximo, com bondade e indulgência relevando comportamentos com os quais não concordamos, porque tudo desejamos que seja realizado para a Tua glória e não para a nossa. Cura-nos, Senhor, de nossas tristes mazelas humanas, remove de nossos corações toda ira, toda maldade, toda mágoa, toda hostilidade para com o semelhante, no nome santo e precioso de Jesus. Amém.
16 de julho de 2022
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