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SER FELIZ – A VIDA CONTROLADA POR DEUS

Como cristãos devemos estar sempre conscientes de que somos totalmente diferentes das pessoas do mundo. Enquanto estas raciocinam em termos de poder, de força, de habilidades, de segurança e de combatividade que revelam sucesso, conquista e realização, nós crentes somos seres estranhos, enigmáticos, que os incrédulos não conseguem compreender porque somos movidos por valores incomuns e inconcebíveis para elas. E sermos mansos é um dos mais significativos.


Deus, por meio das Escrituras Sagradas, inúmeras vezes exorta os Seus para que sejam mansos, como nos Salmos 22.26, 25.9, 37.11, em Sofonias 2.3, em 1 Timóteo 6.11 e em 1 Pedro 3.4, porém é no contexto das bem-aventuranças, por meio de Jesus Cristo em Mateus 5.5 que este ensinamento divino tornou-se mais conhecido, quando nosso Senhor declara peremptório: “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra”, na versão ARA, e “Felizes as pessoas humildes, pois receberão o que Deus tem prometido”, na NTLH.


Mas Jesus não se limita a exortar. Ele também promete de que a mansidão habilitará o homem a tornar-se herdeiro de Deus, e Isaias em 11.4 (ARA), profetiza que, quando de Sua segunda vinda, o Cristo “… julgará com justiça os pobres e decidirá com equidade a favor dos mansos da terra”, e em 29.19 (ARA), que “Os mansos terão regozijo sobre regozijo no SENHOR, e os pobres entre os homens se alegrarão no Santo de Israel”.


Em Gálatas 5.22-23, Paulo lista as nove características do fruto do Espírito, e o respeitado teólogo alemão Adolf Pohl, em seu comentário bíblico sobre a carta aos Gálatas, ressalta uma correlação íntima entre elas com base no amor, que é a primeira, – e que permeia a todas porque Deus é amor, – citando P. Burckhardt, que estabeleceu o seguinte vínculo entre as demais: alegria é o amor que jubila, paz o amor que restaura, longanimidade o amor que sustém, benignidade o amor que se compadece, bondade o amor que doa, fidelidade o amor confiável, mansidão o amor humilde e domínio próprio o amor disposto a renunciar. É importante observar também que a mansidão não subsiste sem o domínio próprio, nem o domínio próprio sem a mansidão, e que nenhuma das duas pode existir sem o amor.


No original grego, a palavra praus é equivalente a manso na língua portuguesa, e Aristóteles em seus escritos fala muito sobre a virtude da mansidão (praotés). O filósofo costumava definir cada virtude como situada em um meio termo entre extremos, um deles representando falta e o outro excesso de algo, e assim definia a mansidão como uma espécie de média entre a ira exagerada e a total falta de ira.


Se adotarmos este conceito, podemos dizer que o homem manso é aquele que tem pleno domínio sobre sua ira, manifestando-a somente no momento certo e nunca quando não for estritamente necessário, tal como Jesus agia: Ele jamais manifestava ira quando os insultos eram dirigidos a Si próprio, mas quando as ofensas tinham como alvo as coisas do Pai ou as pessoas desprotegidas ou injustiçadas, então encolerizava-Se e repreendia os ofensores. Desta atitude de nosso Senhor podemos então aprender que a ira egoísta é pecaminosa, enquanto que a ira altruísta pode ser muitas vezes extremamente necessária para corrigir alguma violação dos direitos de outrem, fazendo justiça.


Outro significado de praus era na designação de um animal que havia sido domesticado para obedecer aos comandos da voz de seu dono, portanto que aprendeu a permitir o seu domínio, assim como o verdadeiro cristão deve aceitar agradecido o domínio de Deus sobre sua vida, de tal forma que a sua vontade, o seu agir e os seus impulsos ficam sob o controle do Criador, pois só como servos dEle poderemos usufruir de plena liberdade, e somente ao obedecermos à Sua vontade soberana encontramos paz e segurança.


Além disso, os gregos costumavam também cotejar a mansidão – que exige humildade – com o orgulho, porque apenas quando reconhecemos nossa ignorância, pequenez e insuficiência, podemos almejar adquirir conhecimento verdadeiramente expressivo. A mansidão, enfim, expressa a humildade necessária para aprendermos e amadurecermos como cristãos, ao admitirmos a nossa debilidade, a nossa miserabilidade, a nossa total indigência que clama pelo auxílio divino.


Talvez para alguns de nós, vivendo nesta era saturada de dias tenebrosos, violentos, cruéis, permeados de egoísmo, desrespeito, egocentrismo, hedonismo e desamor – fazendo até parecer que nunca antes o mundo esteve tão jacente no maligno – as promessas bíblicas soem um tanto utópicas e deslocadas, pronunciadas, como foram, em dias distantes que nos remetem a paisagens bucólicas onde mansas e dóceis ovelhinhas pastavam pacificamente em verdes planícies gramadas.

 

Como compatibilizar uma visão idílica como esta – onde a mansidão aparentemente faz sentido – com a vida urbana do nosso cotidiano, em que predominam o caos do trânsito de veículos, o cinza das construções tristemente “adornado” pelas pichações que a tudo enfeiam e emporcalham, a poluição sonora e aérea, a pressa e o stress que dominam as pessoas, ao lado da miséria, do câncer social da droga, da corrupção e da criminalidade em ascensão irresistível, cujos efeitos diabólicos estão à vista de todos?


Em um mundo tão hostil, áspero, competitivo e doente, onde os mais fortes, os violentos, os poderosos, os “espertos” sempre prevalecem, faz sentido – ou mesmo é possível – ser manso? Não seria uma forma certa de se cometer suicídio? Alguém pode alegar que afinal, até mesmo Jesus, sendo modelo de mansidão, foi cruelmente torturado e crucificado por aqueles a quem viera salvar!


Além disso, será que sabemos realmente o que é ser manso? Por certo não é uma condição natural, não é também o comportamento servil daquele que se faz artificialmente humilde visando angariar algum tipo de vantagem pessoal; não é ser simplesmente “bonzinho” para uso externo, porém agressivo e irado entre as quatro paredes do lar ou do trabalho; não é também ser pusilânime, aceitando calado ofensas e injustiças contra Deus e contra os desprotegidos.


Não, ser manso é antes de tudo uma escolha, é a firme decisão de adotar uma atitude perante Deus e o próximo que deriva do amor e do respeito, e manifesta-se por meio de delicadeza, cortesia, gentileza e afabilidade, acompanhada – quando se fizer necessário – das indispensáveis coragem e ousadia. Ser manso é agir invariavelmente com sabedoria e domínio próprio, não se deixando jamais dominar pela arrogância, pela soberba, pelo ressentimento ou pelo ódio.


E se desejamos ser mansos precisamos permitir que a nossa vida seja totalmente controlada por Deus, nos deixando permanentemente encher pelo Seu Santo Espírito para que seja forjada em nós esta virtude sublime que transforma o nosso caráter e o nosso temperamento e assim nos torna mais assemelhados a Cristo.


Jesus em Sua passagem pela terra nos deu exemplos cabais de destemor e intrepidez, quando por várias vezes afrontou os poderosos na defesa do Evangelho do Reino, e foi muitas vezes agredido, rejeitado, ridicularizado, porque amava o bem e odiava o mal, demonstrando que o homem manso pode tolerar maus tratos com paciência, mas não deve aceitar passivamente o mal, como Paulo exortou em Romanos 12.9 (NTLH), dizendo: “Odeiem o mal e sigam o que é bom”.


Nosso Senhor era manso e humilde de coração, detinha todo o poder divino porque era Deus encarnado, e no entanto tinha Seu infinito poder dirigido por princípios igualmente divinos de amor ao Pai e aos homens perdidos, por isso esvaziou-se de Sua divindade, como Paulo em Filipenses 2.5-7 (Bíblia Viva) ensina para que aprendamos com Ele: “A atitude de vocês deve ser semelhante àquela que nos foi mostrada por Jesus Cristo, que embora Deus, não exigiu nem tampouco Se apegou a seus direitos como Deus, mas pôs de lado seu imenso poder e sua glória, ocultando-se sob a forma de escravo e tornando-se como os homens.”


Deus deseja que sejamos mansos para poder nos galardoar com a herança incorruptível prometida, e assim sendo, se nossa disposição de transformação pessoal for verdadeira, Ele nos ajudará. Oremos, pois, incessantemente por esta causa tão primordial em nossas vidas, reveladora da marca do autêntico cristão, fazendo eco à oração compungida do teólogo escocês Alexander Whyte (1836-1921): “Senhor, permita que eu seja sempre cortês e acessível. Jamais deixe que eu mostre espírito contencioso ou impertinente. Permita que eu tenha paz com todos os homens, oferecendo-lhes perdão e atraindo-os com a minha cortesia, pronto a confessar meus erros, apto a reparar danos e desejoso de reconciliação. Dá-me um espírito cristão caridoso, humilde, misericordioso e manso, útil e liberal; que eu não me aborreça por nada a não ser por meus pecados e pelos pecados dos outros; que, enquanto minha paixão obedeça à minha razão, e minha razão seja religiosa, pura e sem mácula, temperada com humildade e adornada pela caridade, que eu possa escapar da Tua ira, que bem mereço, e habite em Teu amor; que eu seja Teu filho e servo para sempre, por meio de Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.”


Continua a seguir, com o próximo artigo: Ser Feliz – A Aspiração por Justiça e Bondade.

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