SOFRIMENTO
A humanidade atravessa dias de terrível incerteza, angústia e sofrimento, o que faz com que às vezes nos sintamos como passageiros de um trem mergulhado na escuridão de um interminável túnel, temerosos pelo próximo momento tenebroso que pode advir e, ao mesmo tempo, confiantes e ansiosos pela luz radiosa, insuperável, irresistível, que irrompe dos céus e dissipa toda treva, refletindo-se de forma prodigiosa nos campos verdejantes que no horizonte distante encontram-se com a abóbada celeste. Sim, temos certeza de que tal maravilha que vem do alto, pela graça e misericórdia de Deus, embora no momento pareça inalcançável, nos aguarda à frente.
Mas é preciso discernir que há uma diferença abissal entre o sofrimento do homem natural, o homem sem Deus, e aquele que vive para Deus, para a Sua glória e pela Sua graça: enquanto o primeiro apenas sofre as consequências da Queda como descendente de Adão, e está destinado à morte e ao padecimento para sempre, aquele que é filho do Deus Eterno, – pois descende de Cristo, – sofre pela Sua causa, por amor a Ele e tem a certeza plena da gloriosa vida eterna em regozijo, paz e felicidade ao Seu lado.
Talvez algumas vezes nos perguntemos: porque existe o sofrimento? E porque um Deus que é infinitamente amoroso, bom e misericordioso permite que haja tanta dor no mundo? Será que por trás do sofrimento humano existe um propósito benéfico?
Jesus, em Lucas 21.5-36 trata, – numa longa lista de advertências aos Seus discípulos, – sobre o sofrimento a que seriam submetidos, não apenas naquela geração, mas ao longo das eras, até a Sua volta bendita. Enquanto alguns deles admiravam a riqueza e a majestade do templo, o Senhor falava-lhes da sua futura destruição; alertava-lhes também para que não se deixassem enganar com a aparição de falsos cristos; advertia-os sobre guerras e revoluções, lutas entre nações, grandes terremotos, epidemias e fome, coisas espantosas, grandes sinais no céu, perseguições aos cristãos e interrogatórios, o que “… vos acontecerá para que deis testemunho”, ou seja, de forma semelhante à que sucedeu com o sofrimento enfrentado por Paulo e narrado em Atos 22-26, propiciando então que ele desse o poderoso testemunho de Cristo registrado para a eternidade.
O apóstolo Pedro em sua primeira epístola, – endereçada aos cristãos que viviam dispersos pelo mundo, em situação de grande sofrimento porque se portavam correta e fielmente em meio a uma sociedade pagã hostil, – no capítulo 3, versículos 13-18, exorta-os ponderando: “Ora, quem é que vos há de maltratar, se fordes zelosos do que é bom? Mas, ainda que venhais a sofrer por causa da justiça, bem-aventurados sois. Não vos amedronteis, portanto, com as suas ameaças, nem fiqueis alarmados; antes, santificai a Cristo, como Senhor, em vosso coração, estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir razão da esperança que há em vós, fazendo-o, todavia, com mansidão e temor, com boa consciência, de modo que, naquilo em que falam contra vós outros, fiquem envergonhados os que difamam o vosso bom procedimento em Cristo, porque, se for da vontade de Deus, é melhor que sofrais por praticardes o que é bom do que praticando o mal. Pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito…”.
Pedro ensina que somos acometidos por dois tipos principais de sofrimento: o primeiro decorre do fato de sermos humanos, naturalmente sujeitos a padecimentos, morte, aflição, tristeza e dor física; o segundo resulta da nossa condição de cristãos, de pessoas que não agem de acordo com os valores mundanos que nos tornam “diferentes”, ameaçadores e inconvenientes porque a sua maldade fica exposta quando comparam nossas atitudes com as deles.
Além disso, quem segue verdadeiramente a Jesus, expressa a felicidade profunda de quem desfruta da presença de Cristo porque Ele é soberano em sua vida e o Espírito Santo habita nele, conferindo-lhe a paz, a harmonia e o contentamento que só pode ser encontrado naquele que está plenificado dos valores eternos, e não submetido aos ditames da carne, da mundanidade e do materialismo.
Quando o coração humano está agrilhoado às coisas do mundo, aos bens, ao dinheiro, ao poder, à felicidade, aos prazeres terreais, não passa de um pobre diabo sem esperança para além da curta existência material cheia de sofrimentos muitas vezes inúteis e sem propósito devidos à absoluta falta de transcendência de sua pobre vida.
Mas, ao contrário, se temos Cristo como o centro absoluto de nossa vida, se o bem mais precioso para nós é a nossa relação com Deus, então estaremos colocados em uma condição em que nossos valores existenciais são intocáveis, por mais que as agruras nos acometam, pois a nossa verdadeira segurança está em Cristo, o nosso Salvador e Redentor. Assim, mesmo que soframos por Ele, seremos bem-aventurados ao demonstrarmos nossa lealdade e participando dos Seus sofrimentos, “Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por meio de Cristo”, ensina Pedro em sua primeira carta, capitulo 4, verso 13.
E então novamente a Palavra de Deus, por meio do profeta Jeremias 29.11, nos tranquiliza ao nos garantir que “Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o Senhor; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais”.
Embora existam na Bíblia tantas ponderações positivas sobre o sofrimento, como a que Paulo faz em Romanos 8.18 quando diz que “… para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós”, será que na vida real elas funcionam? O renomado autor cristão Philip Yancey, em seu livro Onde Está Deus Quando Chega a Dor?, conta a história de uma jovem cristã que foi duramente atingida pela adversidade inesperada e chega a algumas conclusões importantes.
Joni Eareckson, atualmente muito conhecida nos Estados Unidos por seu trabalho como pintora, escritora e palestrante cristã, era uma atleta adolescente muito promissora que sofreu um grave acidente quando estava no auge da carreira e foi bruscamente obrigada a se adaptar à condição de tetraplégica. Após ter cometido um erro de frações de segundos que representou anos de sofrimento, ao mergulhar em um rio de águas rasas e bater com a cabeça no fundo pedregoso, fraturou a coluna e perdeu totalmente o comando dos movimentos de seu corpo.
Mesmo levada a um hospital especializado, submetida a equipamentos médicos sofisticados e posteriormente a uma cirurgia para tentar a fusão de sua medulo espinhal, tudo foi em vão. O dano que havia sofrido era irreversível, jamais voltaria a andar e os movimentos de seus braços eram agora muito limitados.
Compreensivelmente ficou arrasada, pensando como a sua vida toda iria mudar, sem sequer poder se alimentar sozinha, só dormindo e respirando por si mesma, dependendo totalmente dos outros, e então quis morrer, chegando a pedir a um amiga que lhe trouxesse um medicamento ou uma lâmina e a ajudasse a por fim à vida. Havia se dado conta de que até para morrer dependia dos outros.
No entanto, contrariando todas as expectativas, atualmente Joni realiza palestras por todo o mundo, é convidada para programas de TV, tem um programa diário de rádio, atuou em um filme sobre a sua vida e foi objeto de artigos de importantes revistas norte-americanas. Além disso, escreveu vários livros, incluindo sua biografia, gravou músicas e sua arte ilustra uma linha de artigos de papelaria.
Aqueles que têm o privilégio de conhecer Joni são contagiados pela felicidade e esperança que irradia, nem de longe lembrando aquela pobre garota paralítica. Como ela conseguiu superar suas tão grandes limitações?
Conta ela que, durante os dias depressivos em que esteve hospitalizada recebeu uma visita que, com o intuito de animá-la, leu para ela o versículo bíblico que está em João 10.10, quando Jesus diz: “… eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”. É Yansey quem relata que, descrente e amargurada, pensou: “Vida em abundância? Sem amor, sem casamento, nem qualquer contribuição verdadeira para o mundo? No entanto, diz ela, nos últimos anos minha perspectiva transformou-se. Acordo diariamente dando graças a Deus pelo que me dá. De algum modo, e só depois de três anos compreendi isso. Deus mostrou-me que eu também posso ter uma vida plena”.
O primeiro desafio que enfrentou foi aceitar seu estado e suas limitações físicas, assumindo-se como tetraplégica e buscando novas formas de vencer as dificuldades, entre elas as mais básicas, como sentar em uma cadeira de rodas, superar as escaras e passar por novas cirurgias corretivas, em cada passo contando com o apoio emocional dos amigos.
Mas a maior barreira a enfrentar era ter fé em um Deus amoroso que permitira que todas as coisas boas que usufruía na adolescência lhe tivessem sido roubadas. Foi um processo que arrastou-se em meio a lágrimas e questionamentos e que só pôde ser superado quando foi lembrada do terrível sofrimento a que Jesus se submeteu voluntariamente na cruz para nos salvar. Então confessou a Yancey: “Senti Deus incrivelmente perto de mim. Já tinha compreendido o quanto me era importante o amor de meus amigos e de minha família. Naquele momento passei a compreender que Deus também me amava. Bem, estou paralítica. É horrível. Detesto esta situação. Mas poderá Deus ainda usar-me, mesmo paralítica? Mesmo paralítica, poderei ainda adorar a Deus e amá-lo? Então ele me ensinou que eu poderia”.
E continuou: “Pode ser que a dádiva de Deus para mim tenha sido minha completa sujeição a ele. Jamais serei autossuficiente a ponto de expulsar Deus de minha vida. Estou consciente de sua graça para comigo a cada momento. Quando acordo de manhã, deitada de costas, esperando que alguém venha até minha cama para vestir-me, é que vejo o quanto necessito dos outros. Não posso nem mesmo pentear o cabelo ou assoar o nariz sozinha! Mas a verdadeira paz é interior, e essa dádiva recebo de Deus em abundância”.
Ela por fim completa serena e confiante: “Tem mais uma coisa: tenho esperança no futuro agora. A Bíblia diz que nossos corpos serão ‘glorificados’ no céu. Agora compreendo que serei completamente curada. Terei apenas que esperar, e até lá Deus estará sempre comigo”.
Joni continua progredindo em sua busca por superação: conferencista muito requisitada, o que mais é apreciado nela é o seu amor e entusiasmo pela vida, expresso quando, apesar de seus membros inertes, seus olhos e seu rosto se iluminam ao usar o incrível processo de pintura com a boca. Quando conta com entusiasmo e leveza sua história de vida, as barreiras que superou e as vitórias que obteve e que inspiram milhões de pessoas, somos remetidos ao que Jesus disse em João 9.3 sobre o homem cego e aplicável ao caso de Joni, que tudo “… foi para que se manifestem nele as obras de Deus!
Pai Santo e misericordioso, sabemos que Tua Palavra é verdadeira e ela nos conforta sobremaneira em Romanos 8.28 afirmando que “… todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Mas por vezes, ao sermos afetados por momentos de aflição, decepção profunda, tragédia ou grande tristeza, nossa fraqueza humana se revela através de dúvidas sobre o sentido daquele sofrimento. Então somos lembrados no versículo 29 que tudo o que permites visa nos tornar semelhantes a Cristo, e assim nossas dúvidas se esvaem com a certeza de que nossa vida não está sendo controlada por forças impessoais como o destino ou a sorte, mas sim por Ti que és amoroso demais para ser insensível e sábio demais para errar. Assim, agradecidos e em paz, oramos no nome de Teu Filho Amado. Amém.
21 de maio de 2022
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